TRISTE PRIVILÉGIO
Desde o curso primário tinha por
hábito me esconder nas últimas cadeiras. Pura timidez. Mantive o hábito nas
centenas de assembleias de que participei no sindicato dos bancários do Recife
e no sindicato dos jornalistas de São Paulo. Talvez não fosse apenas timidez, fosse
também insegurança, derivada da falta de conhecimentos, me perguntando o que
queria fazer da vida. A vantagem de me posicionar onde pudesse ter visão ampla
do ambiente equivalia a da grande angular de uma máquina fotográfica.
Minhas dúvidas impediam de fazer curso
superior, de progredir, de enriquecer, de me tornar famoso, de me casar com uma
milionária, de virar pessoa importante, ao menos presidente de um time de
botões.
Só me senti importante quando descobriram
meu telefone, meu endereço, meu CPF e até meu número do SUS, só porque tenho prioridade
na vacinação, aos 84 anos, pelo risco de morte iminente no caso de contrair Covid19.
Agora sou o primeiro da fila – triste privilégio.
Além de ler em paz, ver televisão
quando desejo, consultar e-mails sem nenhuma pressa, sou um dos que podem
vacinar-se em primeiro lugar contra essa pandemia que nos ameaça a todos em
todo o mundo.
Há cerca um ano deixei de receber
visitas. Passei a receber telefonemas de vendedores e de espertalhões querendo
o número do meu cartão de crédito ou oferecendo empréstimo compulsório. Oferecem
Omega 3 e plano funeral, com garantia de tranquilidade na hora do enterro. Por
baixo da porta, recebo folhetos de pizzas e de manicures oferecendo serviços.
Na falta de rabecão, a prefeitura
de São Paulo contrata peruas escolares, que substituem assentos por
confortáveis caixas funerárias. Defunto tem
preferência.
Conclui-se que sou o primeiro em
tudo: nas filas dos bancos, das lotéricas, das padarias, dos supermercados, dos
estacionamentos, até nos cemitérios. Graças a Deus! Rezo para não precisar ir a
um hospital, onde o paciente é sedado, entubado e não vê nem sente mais nada.
Após ler esse comentário, o
cirurgião Alberto Kanamura acrescentou: “Enfim, seremos enterrados sãos e
salvos”.
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