PENSATA
Quase todo dia vou ao mercado municipal da Lapa em São Paulo
e me divirto com o falso guarda que fica gesticulando como guarda de trânsito, sem
ser um deles de fato. Nem ele mesmo explica porquê. Outro dia tomo cafezinho à
porta de uma academia de ginástica só para observar a entrada e saída das
ginastas que a frequentam. Puro saudosismo, não tara.
Vou ao cinema sem escolher filme, distância, preço ou
escuridão. Saío para almoçar na praia, para olhar o céu na serra, para comer na
estrada em restaurante de caminhoneiros e vou a Londres num dia e volto no outro,
só porque me revistaram dos pés à cabeça, confundindo-me com traficante. Era
acusado de não ter reservado hotel e não saber exatamente aonde ia. Voltei no
dia seguinte, revoltado inutilmente, após passear sem destino e comer uma pizza
pior do que a de São Paulo. Restou a foto no London Heathrow Airport, quando
conheci a Heineken.
Conclui-se daí que não passo de um rebelde sem causa, quase
um judeu errante, não fosse a mania de voltar para casa quando o dinheiro acaba
ou o medo de perder o emprego que garante minhas contas. Até nesse aspecto sou
definitivamente careta: em 36 anos de carteira assinada jamais faltei um só dia
de trabalho, salvo em casos especiais como doença ou dor de corno. Só não fui
um santo, como queriam meus pais, que foram coristas da matriz de Sant’Ana em
Gravatá (PE), porque apareceram as normalistas, vestidas de azul e branco e com
sorriso encantador. Quase enlouqueci ao morar durante um ano no edifício
Holliday, praia de Boa Viagem, Recife. Não dava conta de tantos biquinis e que
tais.
Por conta disso, temo o dia em que não possa caminhar livremente
como um menino e olhar as estrelas sem necessidade de perscrutá-las. Mesmo
assim, não estarei perdido quando isso acontecer. As boas lembranças soterrarão
as más. Bons ventos me levarão ao paraíso.
SP 26/07/2022
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