ISOLAMENTO ENCHE O SACO
Seis netos,
idade entre 7 e 19 anos, herdaram de mim um costume não sei se bendito ou
maldito. Trancam-se num quarto onde leem, estudam ou consultam internet, numa
maratona só interrompida quando alguém da família precisa fazer alguma pergunta
tipo quer comer alguma coisa, já escovou os dentes, fez xixi? Se insistem, vem
a resposta: não enche o saco. E pronto. Ai de quem voltar a incomodar. Só fazem
o que querem, quando querem.
O problema
agravou-se com a necessidade do isolamento compulsório determinado pelo
coronavírus. A pandemia se sobrepõe ou ocorre paralelamente ao governo que, a
pretexto de combater a corrupção generalizada dos últimos anos, vem implantando
medidas estranhas, para dizer o mínimo.
Sem o contato
dos colegas de escola, sem os papos com os amigos, sem passear com o cachorro –
tal o medo que a televisão e demais meios de comunicação lhes impõem a todo
momento – resta-lhes explodir a qualquer pretexto, desenvolvendo um aprendizado
inédito, oriundo dessa maneira nada ortodoxa de obter conhecimentos.
Além dos netos,
tenho uma irmã de 75 anos que provavelmente pirou de vez. Há 60 dias não sai do
quarto. Pede que as filhas deixem a comida na porta e só recolhe a refeição
depois que elas se retiram. Não quer que ninguém chegue perto. Haja álcool-gel,
até para invólucros.
Moro sozinho há
muitos anos, após separação judicial. Aos domingos reunia a família nos
restaurantes de comida por quilo. Cheguei a pensar em conhecer um a um os 46
mil restaurantes paulistanos, mas só conheci uns 50, entre a Vila Madalena e o
centro da cidade. Agora, cada um no seu canto. A salvação tem sido o tal do
delivery.
Outro dia
resgatei um trabalho que intitulei “Viva bem sem depender de ninguém”, em que
relato ideias que julgava pertinentes sobre o assunto. Tive a oportunidade de
submetê-lo a jovens psicólogas do Hospital das Clínicas, com as quais almoçava
eventualmente, não obtendo apoio total às minhas elucubrações. O consenso,
segundo elas, é que todos precisamos de alguma forma de ajuda. A solidão não é
boa para ninguém.
Mesmo assim,
recomendaria a leitura desse estudo. Para mim, o isolamento não traz nenhum
desespero. No máximo, enche o saco.
Comentários
Postar um comentário