NUNCA MEXA EM VESPEIRO


Não conheço ninguém que tenha feito mais cursos sobre como escrever um livro, além de mim mesmo. Mas só virei escritor quando decidi publicar por minha própria conta e risco – no caso literalmente – meus alfarrábios, que sequer ousei reescrever após tais ensinamentos.

A conclusão lógica é que a arte de escrever (romance, poesia, ensaio, qualquer cousa) parece intrínseca ao escritor, que não necessita de nenhum artifício para descrever o que sente ou o que deseja. Mesmo assim, conheci de perto o escritor brasileiro que chegou a ser considerado o mais prolífico do mundo, com mais de mil livros publicados.  

Ryoki Inoue era médico do pronto socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), onde se formou, quando decidiu abandonar a profissão para tornar-se um fenômeno editorial. Produzia livros a mancheias. Tantos que entrou para o Livro dos Recordes. Ainda que alguns de seus críticos ponham em dúvida a qualidade dos textos e enredos, ele produziu enquanto possível, até ser vítima de um derrame que o deixa acamado e abandonado há anos, no litoral capixaba.

Conhecemo-nos quando Ryoki leu minhas crônicas sobre o HCMUSP, publicadas aqui e li, sem maiores pretensões. Escrevia ao fim do expediente, ora como forma de passar o tempo, ora com o objetivo de fazer um registro de fatos curiosos. Mais de um amigo me aconselhou a deixar o emprego ao tomar conhecimento dos bastidores do hospital. Em geral, os médicos exigiam absoluto sigilo sobre ocorrências internas, mesmo que elas não contivessem nenhuma irregularidade. Tudo era proibido divulgar. Por alguma razão, que não sabia explicar nem a mim mesmo, ia ficando no emprego. Resisti 21 anos.

Um dia Ryoki me convenceu a publicar essas crônicas e observações. Dei o título de “Pois não, doutor!” ao livro que a editora Vertentes, do próprio Ryoki, publicou no ano 2000. O título era uma referência ao estilo de trabalho em que o médico é soberano. As observações se aplicam, suponho, a qualquer hospital.

Se um ou outro crítico literário reluta em elogiar Ryoki Inoue em função de sua prolixidade, sabe Deus o que diriam de minha modesta tentativa de análise sobre atividades médicas, recordista de silêncio. O provável leitor deve ter seguido as recomendações médicas vigentes em certas circunstâncias, ou seja, nunca mexa em vespeiro.


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