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TIMIDEZ AO QUADRADO

  Nem era jornalista ainda - era bancário - quando editava o jornalzinho da categoria, cujo presidente era Antônio Fausto do Nascimento. Ao comentar uma peça que um grupo de amadores apresentou no sindicato desanquei a atriz principal, sugerindo que ela desistisse da carreira por que de atriz ela não tinha nada. Meu Deus! Até hoje me arrependo disso. A moça chorou vários dias. Pelo que me contavam, poderia tentar suicídio tal o desencanto de que se apoderou. Passei então a valorizar mais cada palavra. Se era tímido, tornei-me super tímido. Ao emitir opinião sobre alguma coisa repensava cada expressão, à moda de Osman Lins, que me confidenciou demorar um dia inteiro para produzir vinte linhas de um romance. Uma lembrança desse modo de agir ocorreu durante almoço na casa de velho amigo, quando ainda morava no Recife. À mesa, com esposa e três lindas filhas que eu amava mas não tinha coragem de confessar, o anfitrião sapecou: -- Você tem algo a haver com Jesus? E eu, naturalment

VIVA SÃO PAULO!

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  Dos 470 anos de Sampa, aqui vivi 60. Ao desembarcar de uma Kombi no Brás em agosto de 1964 me hospedei no hotel Cavaleiro, na rua Cavaleiro. Tinha 27 anos, pouquíssimo dinheiro no bolso, e andava olhando para trás a fim de me certificar de que não estava sendo seguido. Afinal, acabara de sair do DOPS de Pernambuco, onde ficara 30 dias acusado de crime inafiançável: ser solidário ao prefeito do Recife, Pelópidas da Silveira – de quem era assessor de imprensa – e ao governador Miguel Arraes de Alencar, de quem era ardoroso fã.    Meus primeiros telefonemas foram para a Editora Abril, então na rua João Adolfo, e Última Hora, no Anhagabaú, onde já se encontravam outros jornalistas fugidos pelo mesmo motivo. O chefe da redação foi logo dizendo que não tinha mais vaga pra nenhum pernambucano. Já haviam acomodado uns 10, entre outros Múcio Borges da Fonseca, Eurico Andrade e Carlos Luís de Andrade – jornalista, advogado e ex-deputado. Mas foi outro telefonema que me tirou do hotel m

A CAMISA E O AMBIENTE

      De repente, não mais que de repente (como diria Vinícius de Moraes), me surpreendo criticando a moça que desfila na calçada do bar do Jhony’s com roupa curtíssima mostrando pernas grossas cheias de estrias ou celulite. E outras, muitas outras, com o corpo inteiro cheio de tatuagens. É comum no restaurante paulistano, incrustrado no centro de São Paulo, numa área cheia de pensões de nordestinos. Fui imediatamente reprimido. Que tem você com isso? – perguntaram meus companheiros de mesa, em tom de reprimenda. De fato, não tenho nada com isso. Deve ser resquícios de minha juventude em Caruaru, onde chamavam de gay até quem ousasse servir-se de verduras numa churrascaria. O certo era comer carne, muita carne. A verdade é que a rua Canuto do Val, nesse trecho que vai até o cruzamento com a rua Martim Francisco (onde o estacionamento é no leito da rua, não junto à calçada), é ponto de encontro das mais curiosas figuras, a maioria tatuadas dos pés à cabeça. A curiosidade c

ANDARILHO EM QUATRO RODAS

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    Aos domingos, cinquenta anos atrás, abria a janela do quarto e dizia eufórico: milagre, tem sol! Pegava a mulher e os dois filhos e corria para um dos parques da cidade de São Paulo ou das cidades próximas. Tenho um baú de fotos das crianças brincando nesses lugares, muitas vezes sem sol algum. Nos anos 70 do Século passado era mais comum o tempo nublado, comumente chamado de garoa. Não sei de onde vem essa mania de sair de casa a qualquer custo, com chuva, garoa ou sol, acho que desde quando comecei a andar, no segundo ano de vida (ou seria ainda no primeiro?). Tenho a vaga lembrança de que vizinhos ou conhecidos me devolviam a meus avós maternos em Chã Grande (PE) toda vez que eu fugia de casa e caminhava sem rumo.   Viria daí a mania? A diferença é que hoje saio dirigindo. Levo ou busco netos na escola sempre que necessário e não dispenso ida à banca de jornais ou padaria mais próxima, embora seja assinante de um jornal e procure manter a geladeira relativamente abastecida. Anda

LIVRO 7, MEU RELICÁRIO

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  LIVRO 7, MEU RELICÁRIO                                                                                                     O excelente livro de Homero Fonseca sobre Tarcísio Pereira nos trás memoráveis lembranças. Algumas agradáveis, outras nem tanto. Como se sabe, a Livro 7 foi a mais famosa livraria do Recife, movimentando os meios intelectuais do Nordeste durante muitos anos. Seu endereço era rua 7 de Abril, mas tinha uma saída lateral para a praça Adolfo Cirne, onde se localiza a imponente Faculdade de Direito. Era uma espécie de beco, que se transfomou para num bar. Tarcísio Pereira, conforme explica o livro, sem nunca ter escrito um livro ou priduzido qualquer obra de arte transformou a livraria num monumento à cultura brasileira, através da promoção de tardes ou noites de autógrafos. De Gilberto Freyre a Fernando Moraes, grandes escritores deram autógrafos na Livro 7, entre outros Paulo Cavalcanti,  Osman Lins, Raymundo Carrero, Gastão de Holanda, Marcelo Mário de Melo, etc. e

NOVAS EMOÇÕES

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    Vinícius com certeza nunca esteve no Pão de Açúcar da Cerro Corá. É o que concluo toda vez que tomo um cafezinho praticamente à porta de uma academia que fica no piso superior, frequentada por moradores do Alto da Lapa e Alto de Pinheiros. Pelos bairros e pelos carros já se nota o “nível” dos frequentadores. Isso não significa necessariamente que todos sejam cultos, mas pelo menos são bem vestidos.   As meninas vão dirigindo seus próprios veículos e chegam preparadas para mover braços e pernas à vontade. Após os exercícios, tomam água ou café no balcão e às vezes deixam cair algo, quem sabe para aguçar a curiosidade dos velhinhos que ali estão boquiabertos, ou melhor, olhos atentos. Elas querem exibir decalques nas coxas, nos braços, no pescoço e sei lá onde. Cara de pau, entro na fila para comprar um cafezinho e uma delas se desmancha em gentilezas, oferecendo ajuda. Me segura pelo braço, enquanto procuro o cartão de crédito. Se ameaço cair, ela me segura carinhosamente, qua

QUESTÕES DE ORIGEM

                                       Na menor e mais remota cidade do país sempre ouvimos desde criança: “cresce e vai pra São Paulo”. De tanto ouvir essa frase, um dia fui. Não exatamente pelas circunstâncias comuns e normais, mas fui. E como se diz vulgarmente, fui e venci, pois consegui emprego e na primeira oportunidade voltei pela Rio-Bahia, de carro próprio, para buscar a antiga namorada. Naquela época, voltar de São Paulo com algum dinheiro e ainda por cima dirigindo o próprio carro era o máximo. Mais de 50 anos depois, já aposentado, mantenho o mesmo aparelho telefônico, com o mesmo número. Serve para receber telefonemas de amigos e de associações de câncer e congêneres. Alguns lembram fatos interessantes, dos tempos de ginásio. Não sei exatamente porque, nenhuma ex namorada me ligou, o que me leva a supor que não convenci como conquistador. Egoísta, colocava sonhos literários como principal preocupação.   Tudo piorou (ou melhorou?) com o advento das redes sociais e