GAL: MORTE EM PLENA FORMA

 

Ontem nos despedimos de um contador de histórias, hoje nos despedimos de uma cantora excepcional, cuja carreira acompanhei do começo ao fim. Claro que nos últimos anos muitas outras mulheres se destacaram pelo talento, inclusive instrumentistas de grandes qualidades. No caso de Gal, gostaria de lembrar seus primeiros passos em São Paulo, quando eu era repórter da revista Intervalo.

Encarregado de receber e divulgar artistas que lançavam seus primeiros trabalhos, recebia na redação da Avenida Otaviano Alves de Lima, também conhecida como Avenida Marginal, porque beira o rio Tietê, todos os cantores e cantoras que lançavam seus primeiros discos. Havia uma razão para ser incumbido de tal missão: minha santa paciência. Recebia a todos e a todas com a maior fineza, especialmente as meninas: Martinha, Silvinha, Evinha, Vanusa, Wanderléa e muitas outras. Claro que entrevistava também os marmanjos que começavam a aparecer em São Paulo, de Roberto Carlos a Ronnie Von, Eduardo Araújo, Jerry Adriani, Antônio Marcos, e tantos quanto quiserem acrescentar. 

Assim, ao chegar à Editora Abril certa manhã, encontrei Gal Costa humildemente sentada no corredor, disquinho na mão, acompanhada de um representante da RCA. Queria divulgá-lo, obviamente, colocando-se à disposição para perguntas. A partir daí fizemos amizade e passei a acompanhar seus passos, frequentando seu apartamento na avenida São Luís e os bares da Galeria Metrópole, para novas entrevistas.

Não é preciso dizer que esses bares, especialmente o Jogral, de Luís Carlos Paraná, era frequentado também por grande número cantores, inclusive os iniciantes Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, além de Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Baden Powell, entre muitos outros. Gal e Bethânia já eram inseparáveis.

Na longa convivência com artistas desfrutei de alguma intimidade com alguns deles, extravasando minha frustração de violonista mambembe. Foi assim com Altemar Dutra, Eduardo Araújo-Silvinha, Antônio Marcos-Vanusa, entre outros.

Gal Costa ficou conhecida pela sua dedicação à maneira de cantar. Trocou a Bahia e o Rio de Janeiro por uma carreira consistente, sólida, indestrutível. Ao tentar protegê-la, sucumbiu misteriosamente aos excessivos cuidados com a saúde. Morre em plena forma.

 

Lamentavelmente, não havia o hábito de selfies. Poderia esnobar ao lado de Agnaldo Rayol nos intervalos de filmagem em Gramado; de Ivon Curi mostrando-me sua terra natal, Caxangá; de Eduardo Araújo mostrando sua Joaíma no Vale do Jequitinhonha; de Jerry Adriani me hospedando em seu apê em Copacabana; de Roberto Carlos me recebendo em almoço em sua mansão do Morumbi...

Dediquei alguns anos de minha vida a enaltecer grandes ídolos da MPB e da Jovem Guarda. Alguns merecidamente, como Chico Buarque e Gal Costa, outros nem tanto. Até chegar o dia em que, como jurado do Programa Silvio Santos no auditório da TV Globo (ainda não havia a TV S), fui encarregado de entregar o Troféu Imprensa a Altemar Dutra. Convidado a cumprimentá-lo, dirigi-me a Silvio Santos contando que estivera momentos antes na casa do cantor homenageado, onde havia duas salas repletas de troféus de melhor cantor. Este seria mais um.

Silvio tomou o microfone e mudou de assunto. No ano seguinte, eu não seria convidado a integrar o júri, não sei se por isso.

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