O RESTO É QUIMERA

A cura de todos os males está na música, tanto melhor se for o concerto para piano nº 21, de Mozart, pela pianista sul coreana Yeol Eum Son. O nome é complicado, o som não.
Depois, o que vier é lucro, diante de tanta ignomínia.
Pode ser que as coisas melhorem depois dessa nuvem de gafanhotos que por enquanto é apenas uma ameaça, enquanto os ventos arrancam telhados no Rio Grande do Sul.
Lá pelas bandas do Recife, aonde um dia aportaram os holandeses, o povo tá mais preocupado em massacrar a madame que se descuidou do filho da empregada. A fome? Ora, a fome se cura com a fartura de caranguejo, que se pega com a mão ali pertinho nos mangues do Pina. Problema mesmo é dos milhares de perueiros de transporte escolar, sem renda para pagar as peruas e alimentar suas famílias. Não só deles, mas também dos pequenos e médios comerciantes e dos milhares de desempregados dessa pandemia.
E eu aqui, ouvindo ora a Orquestral Ensemble Seoul, ora a vizinha perguntando a outra se ela ouviu o Datena anunciando que o Governo vai dar mais auxílio de emergência, mais duas de 600 reais! 
Torço para que minha secretária do lar não venha com sua vassoura sob meus pés, depois com um pano molhado, alegando tirar pó e cabelos. Pensava que era minha careca, que avança a cada dia, mas ela acha que não. Além do cabelo da cabeça tá caindo pelo do peito, do sovaco, das pernas, em suma tá caindo tudo – não só pelo. O que não tá caindo tá murchando, se é que me entendem.
Assim, do jeito que as coisas andam, vou acabar compondo não o samba do crioulo doido, como Stanislaw Ponte Preta, mas a crônica doida, do sujeito que um dia quis ser escritor mas só consegue impressionar o vizinho, que há 52 anos alardeia minhas qualidades: 
--“Sabia que ele foi assessor de imprensa de Miguel Arraes e tomava chopp com José Wilker ?” - diz ele a todo mundo.
O vizinho, atônito: “Quem? Nunca ouvi falar nem de um nem de outro”.
Não foi bem assim, explico. É verdade que tomava chopp com José Wilker no Savoy, um barzinho da avenida Guararapes, mas Miguel Arraes de Alencar tinha sido apenas meu Che, quando buscava um ídolo. O resto é quimera.
SP     01/07/2020

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