INFLUÊNCIA DO DIÁRIO
Menino ainda, ouvia diariamente
Zé do Gelo ao longo da rua Cleto Campelo, em Gravatá: “Comércio e Diário” – gritava
ele com poderoso vozeirão, vendendo jornais avulsos e entregando-os de casa em
casa.
Na época eu fazia o ginásio e era
datilógrafo da agência municipal de estatística, que funcionava na prefeitura e
reunia dados para o IBGE. Menino metido a besta, comprava um dos jornais quando
tinha algum trocado. Quando não tinha dinheiro algum, bisbilhotava os jornais
que ficavam expostos na frente da principal padaria da cidade. Era lá que Zé do
Gelo vendia jornais, engraxava sapatos e reunia a fina flor da sociedade que
além de tomar um cafezinho na padaria comentava os fatos do dia, formando
pequeno aglomerado. Uma das perguntas recorrentes era qual o melhor dos dois,
Comércio, com diagramação mais moderna e arejada, ou Diário, mais tradicional,
reacionário.
Por conta disso, o ponto de venda
de jornais e engraxar sapatos era o melhor lugar para saber das novidades. Zé
do Gelo era o único jornaleiro da cidade. Conhecia rua por rua, família por
família, nome por nome, fofoca por fofoca. Só perdia para o historiador Alberto
Frederico Lins, que antes de escrever um livro sobre a cidade foi
correspondente do Diário de Pernambuco. Daí minha primeira ligação com o
jornal.
Minha segunda ligação viria anos
mais tarde, quando procurava o secretário de redação, poeta Mauro Mota, para
oferecer meus poemas. Temendo que não me deixassem entrar, abordava-o antes de
tomar o elevador na praça do Diário. Ele não prometia, mas publicava.
Invejava Carlos Pena Filho, cujos
versos eram lidos por José Wilker no bar Savoy, em cujas mesas só fui citado
quando o Jornal do Commercio publicou um de meus poemas. Sem papas na língua, o
editor admitiu na minha cara que tentava fechar a edição do caderno cultural,
feito na véspera, quando recorreu aos versos disponíveis em sua gaveta, que nem
leu direito.
O terceiro contato com o Diário,
mais efetivo e realista, ocorreu quando decidi voltar a morar no Recife após
uns dez anos de São Paulo. Recorri aos amigos Joezil Barros e Gladstone Belo,
que me acolheram generosamente no Diário. Fui da editoria nacional até resolver
migrar de novo. Sentia na pele e no bolso a rejeição de antigo militante
arraesista e dei adeus mais uma vez a Pernambuco.
Ainda hoje moro em São Paulo,
onde tenho dois filhos e seis netos, longe do velho jornal que de alguma
maneira moldou a minha vida. Ele foi não apenas o mais antigo da América Latina,
mas um dos que me fizeram abraçar a carreira de jornalista, a partir de sua
leitura na juventude.
PS – Fundado em 7 de novembro de
1825, o Diário de Pernambuco encerrou sua edição impressa esta semana.
Orgulhava-se de ser o mais antigo da América Latina.
Autógrafo de Alberto Frederico Lins durante visita realizada em 05/08/1995. Faleceu a 10/07/1019 aos 89 anos.
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