O PODEROSO HC



A superexposição do Hospital das Clínicas faz lembrar minha contratação para o cargo de assessor de imprensa em 1982, quando assumiu o novo governador de São Paulo, Franco Montoro. Na campanha eleitoral, um grupo de jornalistas fizera apologia da liberdade de imprensa, numa referência às ameaças da ditadura. O texto foi publicado nos principais jornais, durante a campanha eleitoral.  
Uma vez eleito, Alberto Quartim de Moraes, um dos articuladores do movimento, assumiu o cargo de assessor de imprensa do governador. O Hospital das Clínicas não tinha esse tipo de serviço, até então prestado de forma burocrática pelo Serviço de Relações Públicas.  
O complexo hospitalar era absolutamente inacessível. Foi preciso o superintendente, professor Guilherme Rodrigues da Silva, tomar a iniciativa de criar uma assessoria de imprensa, convidando o jornalista Demócrito Moura, do Jornal da Tarde para o cargo. Não querendo sair do seu trabalho, condição imposta pelo jornal, Demócrito me indicou para o cargo, considerando minha experiência em UH, Abril, Estadão e Siemens.
Na primeira reunião da cúpula do hospital fui literalmente colocado contra a parede. Os diretores executivos, assustados com a atitude do superintendente, queriam saber qual seria minha atitude diante de uma hipotética situação de erro médico, ou algo do tipo. Eu ficaria com o hospital ou com a imprensa? Minha resposta foi: com a verdade. Quase fui linchado. Tive de enfrentá-los um a um no dia a dia, administrando cada caso com a calma que Deus me deu.
Veio a internação de Tancredo Neves no Incor. Tudo o que tínhamos planejado foi de água abaixo. Antônio Brito assumiu a função de porta voz e eu passei a administrar as condições de trabalho dos jornalistas, que viviam dia e noite no meio da avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar em busca de notícias. Fomos obrigados a instalar aparelhos de xerox e telefones no Centro de Convenções Rebouças para atender mais de mil jornalistas. O público deve lembrar o que foram aqueles dias tumultuados em que não se podia planejar nada. O que valia era qualquer suspiro de Tancredo, que morreu depois que todos os médicos opinaram livremente, cada um com suas teorias. O Professor Doutor Henrique Walter Pinotti manteve até o fim seu incurável otimismo. 
Na assessoria de imprensa continuou tudo muito bem até o dia em que o professor Guilherme, um baiano tranquilo e conciliador, foi substituído pelo professor Vicente Amato Neto, completamente o oposto, que prestigiava as representações de classe, visando mais o apoio a sua administração do que às reivindicações dos dez mil funcionários. Uma longa luta se travou entre grupos antagônicos. A maioria dos professores da Faculdade de Medicina, que mandava de fato no hospital, era de conservadores, mais preocupados com a ciência médica do que com a administração.
Hoje o HCFMUSP dispõe de um assessor de imprensa em cada Instituto, nenhum deles com autonomia. Qualquer informação ou entrevista depende de autorização superior, como sempre. O assessor de imprensa deve ser antes de tudo um forte, para intermediar sem reclamar. Tudo em nome da ciência médica. A diferença, agora, é que as autoridades médicas batem cabeça publicamente, cada um com sua opinião.
SP 12/04/2020

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