CONVERSA PRA BOI DORMIR (II)
Há pouco lamentei a
overdose que levou de Elis Regina ao pronto socorro do HC em 19 de janeiro de
1982 já sem nenhuma chance. Estava almoçando com minha mãe no Recife quando deram
a notícia na televisão. Em férias, tendo à disposição todas as praias do
Nordeste, prorroguei meu desgosto sem muita dificuldade. Todo mundo sabia do
envolvimento dela com drogas mas não imaginava que chegasse a tanto.
Há outro tipo de overdose
nas mídias sociais nos dias de hoje: a reprodução de imagens de Elis selecionadas
em diferentes oportunidades, como programas de televisão, espetáculos no país e
no exterior e festivais. Não aguento mais. A qualquer momento surge uma canção
no Facebook, extraída de diferentes contextos e divulgada por vários grupos de
fãs, tipo Elis O Mito, A Universal, Pimentinha, A Voz do Brasil, etc. A
frequência com que tais imagens são repetidas só não é mais chata do que certas
aparições de políticos no que se convencionou chamar de “live”. Recuso-me a
nomeá-los, em nome do suposto bom gosto dos meus comentários.
Para mim, a morte de Elis
Regina teve o mesmo impacto do suicídio de Getúlio Vargas, do assassinato de
John Kennedy, do fim da 2ª Guerra Mundial e da prisão de Miguel Arraes de
Alencar em 1º de abril de 1964. São coisas bem diferentes, sei, mas
acontecimentos que me marcaram mais do que as ocorrências familiares. Além dos
pais, já perdi três irmãos. Em todos os enterros a que compareci mantive a fleugma,
certo de que nada poderia fazer. Se alguém perguntasse a razão de minha
serenidade, não saberia informar. Talvez houvesse um raciocínio tipo alguém tem
que pagar a conta.
Daí talvez minha obsessão
por manter o nome limpo. Que eu saiba, não devo nada na venda da esquina nem
nas Casas Bahia. Paguei até a última prestação da casa própria, vinte anos de
serena agonia. Nunca fiquei devendo nenhuma prestação de carro ou geladeira.
Talvez esteja em débito
com as poucas mulheres que convivi, às quais não pude dar muita coisa, um Fusca
sequer, muito menos o paraíso. Chamaram-me de tudo, inclusive de inútil,
e eu nunca esqueci. Pedi desculpas por meu egoísmo, me afastei e fui em frente.
Octogenário, quase nada posso fazer além dessas crônicas.
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