AI MEU DEUS!


Sou tão calmo que se alguém me surpreende explodindo, peço desculpas. Isso acontece raramente, quando passo muito tempo sem reclamar de alguma coisa. Ideias reprimidas se manifestam e puxo um papo sem cabeça, em que todo mundo é isso ou aquilo.
Só me contenho quando lembro um velho e querido amigo desanda a falar contra tudo e contra todos - nunca a favor. Dei-lhe o apelido de o Lula que não deu certo. Vive chutando o balde, sem paciência para nada, nem para síndico do muquifo onde mora.
Certa vez viu uma briga entre uma passageira de ônibus e um cobrador que não queria abrir a janela. Ela não se conformava com a explicação de que não era possível, por causa do ar-condicionado. O ônibus, do bairro Brasilândia, é tão moderno que não tem janelas e sim janelões, que não abrem nem se o motorista ou o cobrador desejarem.
-- Quem tiver medo de vírus confinado deve pegar ônibus velho - disse o cobrador, orgulhoso de seu belo veículo.
No que me toca, estou adorando esse confinamento compulsório. Em vez de sair todo dia e ser multado pelos radares criminosos (me roubam por dirigir a 55 km/h, quando a velocidade máxima aqui no meu pedaço é 50), fico olhando madames passeando com cachorro e atento aos helicópteros que irritam minha careca à procura de arrastões, inundações e desmoronamentos. É o que mais tem nesta São Paulo desvairada. Na verdade, nem precisava gastar tanta gasolina, pois repórteres amadores com celulares na mão filmam e divulgam tudo.
Às vezes sou tentado a fazer o mesmo, mas seria concorrência desleal com os tele jornalistas.
No Mercado da Lapa e imediações, por exemplo, tem de tudo. Há um cidadão que passa a tarde inteira num farol, dando uma de guarda de trânsito. Pela expressão facial deve ter orgasmo ao erguer os braços e ordenar aos motoristas para seguir em frente.    
Flagrei uma senhora que a partir das dez horas da manhã se planta na calçada da rua Faustolo com mala e cuia, bem vestida e maquiada. Pede ajuda para uma viagem, mas nunca vai além da esquina.
O comércio popular da Lapa é tão concorrido quanto o da 25 de Março. Tudo o que há dentro do Mercado Municipal há no entorno, mais barato. O vendedor de cachorro quente nos fundos do Shopping Center Lapa já formou filhos na USP.
Sob o Viaduto da Lapa convivem harmoniosamente uma pequena “base” da PM, restaurantes populares, moradores de rua e polícia montada. Toda tarde meia dúzia de policiais a cavalo passeiam entre veículos e pedestres, para quê não sei – além de encher as ruas de excremento.
Como se tudo isso não bastasse, a cuidadora me adverte sobre o novo ministro da Saúde, que daria preferência a um jovem se ele e eu precisássemos ao mesmo tempo de uma única UTI disponível.
Católico relaxado, resta-me apelar: ai meu Deus!

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