SUPOSIÇÕES
O médico determinou com o autoritarismo peculiar à
categoria: marque uma consulta no meu consultório e não se preocupe pois não
vou cobrar nada. Marquei e fui. Supus que notando minha expressão melancólica
ele descobrira que eu estava com os dias contados. Cumpriria sua missão de alertar-me
para os perigos desta vida e apontar caminhos de sobrevivência. Não viveria por
muito tempo na convivência tumultuada com dois mil médicos, ouvindo-os e
tentando interpretá-los para divulgar suas pesquisas, intermediar suas
entrevistas à imprensa e ainda dar de comer a dois filhos na condição de pai e
mãe ao mesmo tempo. Algo assim como aconteceu com Ronnie Von e acontece com
muitos anônimos mundo afora, com a diferença de que o cantor morava numa mansão
do Morumby e eu não passava de um funcionário público, com salário fixo e um
fusquinha para trabalhar, levar as crianças na escola e eventualmente descer à
praia nos fins de semana.
Na primeira consulta fiquei cara a cara com jovem e
discreta senhora, que demorou a responder meu tímido cumprimento. Notei logo
que era de pouca conversa e que pelo sotaque inconfundível só poderia ser
nordestina. Acertei, era pernambucana como eu. Com muito jeitinho e quebrando
um pouco a confidencialidade que o momento exige, obtive do médico a informação
de que ela vinha a uma consulta uma vez por mês. Vinha do Recife, aonde ir ao
psiquiatra, segundo ela, seria confissão de que estava à beira da loucura, ou
em processo de traição ao marido. Preferia pegar um avião, fugindo ao
provincianismo então vigente na cidade.
Nada parecido com o meu caso. O psiquiatra detectara
em mim certa depressão, atribuída ao peso de assessorar uma instituição de
tamanha complexidade, o HCFMUSP. Com certeza não lograria êxito em tamanha
empreitada, como imaginava mas não dizia o competente especialista. Nem depois
de três sessões de uma hora ele me fez qualquer recomendação. Fez-me compreender,
apenas, o buraco em que havia me metido. Seria um recado tipo sai dessa. Não
saí.
No meu trabalho, quando queriam livrar-se de alguém
com estabilidade proponham uma homenagem “pelos relevantes serviços prestados à
instituição” ao longo de muitos anos. Poderia ser uma solenidade com entrega de
diploma e vários discursos. Dispensei. Curei minha suposta depressão com uma
crônica por dia em que relato os motivos de meu suposto silêncio.
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