AI DE MIM!
Uma das vantagens da insônia é poder acompanhar pela
TV Cultura programas como Mosaicos Musicais. Trata-se de um desfile de cantores
e instrumentistas de várias idades e estilos mostrando canções do passado. Num
dos mais recentes pontificaram nomes como Roberto Luna, Claudete Soares,
Tatiana Parra e até Leny Andrade, entre outros, bem como instrumentistas como
Amilton Godoy, Caçulinha e o pandeiro inconfundível de Roberta Valente.
Diferentes formações, arranjos e improvisações.
A TV Cultura detém, sem dúvida, o melhor arquivo de
música brasileira de todos os tempos.
Na juventude eu me entusiasmava com os artistas que
dominavam os serviços de auto-falantes e os programas de rádio AM. Apreciava os
violonistas que acompanhavam os boêmios nos bares e nas serenatas. No Recife, frequentava
o Teatro Santa Isabel, com sua imponente orquestra sinfônica e o velho maestro
Vicente Fittipaldi. Em São Paulo não perdia os concertos do Teatro Municipal
aos domingos pela manhã.
Ao mesmo tempo frequentava os teatros das emissoras de
TV e assistia O Fino da Bossa, Jovem Guarda, Cassino do Chacrinha, Programa
Sílvio Santos, Hebe Camargo, tudo de forma profissional. Vivia de bastidores.
Qualquer notícia era importante para as revistas da Editora Abril, entre as quais
Capricho, Contigo e Intervalo, para as quais trabalhava. Tinha sido repórter
político e depois virei fofoqueiro de televisão, tendo como parceiros Nelson
Rubens, Décio Piccininni, Gilberto Di Pierro, entre outros. Tive inclusive
coluna de crítico de televisão no jornal A Gazeta.
A lamentar apenas o fato de não ter arquivado tudo o
que colhi à época. Se tivesse guardado o material colhido nos corredores das
emissoras teria em mãos o maior acervo de informações sobre artistas do País.
Algo como o arquivo de jogadores de futebol de Milton Neves. Entrevistei um a
um todos os que passavam pelos programas de auditório das décadas de 60 e 70.
Ao sair da Abril, devido ao fechamento de Intervalo, levei no porta-malas do
meu carro parte das anotações e questionários que submetia aos entrevistados,
mas o carro foi roubado.
Francisco Cuoco tinha sido entrevistado num bar da rua
7 de Abril. Nara Leão entrevistei num táxi entre o aeroporto de Congonhas e o
hotel. Ivon Curi me levou à casa dos pais dele em Caxambu. Eduardo Araújo me
levou a Joaíma, no Vale do Jequitinhonha, além de Teófilo Otoni. Agnaldo Rayol
me atendeu durante dois ou três dias em Gramado, durante a realização de um
filme. Lembro com clareza do trabalho para convencer Chico Buarque a preencher
questionário pessoal que perguntava cor, perfume, carro e bebida de sua
preferência. Chico ameaçou me bater, mas levou consigo o questionário e me
devolveu preenchido. Sabia que em algum momento ele escaparia do ensaio para
tomar um uísque com Baden Powell, no barzinho ao lado do Teatro Record. Junto
deles, tentava entender aquele diálogo de surdos.
Desse tempo muita coisa esqueci, mesmo porque também
era chegado a uma birita, que tanto ajudava na aproximação com os entrevistados
como atrapalhava, fazendo perder o foco e a objetividade dos encontros. Muita
coisa esqueci, menos o dia em que uma desconhecida chegou na Abril com seu
primeiro compacto simples procurando Flávio Tiné. Era Gal Costa. Em seguida vieram discos de Martinha, Silvinha, Claudia,
Vanusa, Valdirene, Nalva Aguiar – uma enxurrada, empurrados pelas
gravadoras. Poses e canções preparadas
para encantar. Consciente ou não, fui o elo entre a indústria do lazer e suas
vítimas incautas. Ai de mim! Era incumbido de transformá-las em ídolos,
tivessem ou não talento, pois beleza tinham de sobra.
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