DIA A DIA
Houve
um tempo em que me preocupava com as calçadas. Depois passei a reclamar dos
buracos que danificam os pneus. Insuflado por indignados apresentadores de TV,
passei a xingar indiscriminadamente autoridades (in) competentes. Cheguei a
reclamar dos planos de saúde, cujo atendimento se assemelha ao dos hospitais
públicos, no que se refere a demora. Tentei denegrir o telemarketing, que promove
desde as benesses dos modernos sistemas de telefonia às maravilhas do Mega 3.
No
momento em que se torna moda criticar os despautérios da política, por causa de
declarações estapafúrdias das autoridades, recorro aos modernos dispositivos de
pesquisa sobre música clássica, seguindo o conselho de grandes maestros,
segundo os quais para se deleitar não precisa entender, basta ouvir.
Tenho
pequena vantagem: quando jovem tirava algumas notas ao violão, tentando imitar
Antônio Rago. Se nunca fui além das posições básicas, por falta de disciplina, essa
intimidade com o violão me levou a entender um pouco as nuances de um acorde,
ao ponto de me embasbacar com Aida Garifullina -- não fora ela da Rússia, que
povoou os sonhos de minha juventude.
Graças
a essa peculiaridade, não serei mais um a encher as redes sociais de
verborragias, como os apresentadores de rádio e televisão em busca de audiência
a qualquer custo. Eles avançam até o momento em que as autoridades atendem o
telefone. Daí para a frente, o faturamento da empresa fala mais alto e os
apresentadores se tornam amáveis e educados, quase dóceis. Passam até a divulgar
esforços governamentais para minorar a situação denunciada, como se os
espectadores e ouvintes não percebessem a mudança, a enrolação. Ora.
Consulto
nutricionistas para cuidar de hipertensão, neurologistas para medir perda da
sensibilidade periférica (diabete), dermatologistas para tirar manifestações
remotas de exposições ao sol (câncer de pele) e corrijo artrose lombar e
cervical, sob iminência de paraplegia. Tudo isso para quê? Para ouvir asneiras?
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