BANZO


Edifício Holliday - Foto Flávio Tiné
Quando bate um banzo, lembro o tempo em que percorria as ruas do Recife sozinho ou acompanhado em busca de aventuras ou bons papos.
Se fosse nas Graças, visitava Gastão de Holanda, acompanhado do estudante de medicina Paulo Siqueira, futuro cunhado. Éramos xepeiros, isto é, fazíamos refeições na Casa do Estudante de Pernambuco, embora não morássemos lá.
A casa de Gastão tinha uma vantagem: estava sempre cheia de escritores, poetas, artistas gráficos, como Renato Carneiro Campos, João Alexandre Barbosa, Ana Mae Barbosa e outros. Até Ariano Suassuna baixava por lá às vezes. Era uma história atrás da outra e uma desvantagem: ninguém falava mais. Ele reinava absoluto com sua verve inquestionável e brilhante. Quem ousaria interrompê-lo? 
Às vezes, quando não havia Ariano nem grande plateia, eu arranhava um lá menor ao violão e cantava “Boemia”, até chegar um violonista de verdade e eu enfiar a viola no saco. Qualquer um tocava melhor.
Se fosse em Beberibe, visitava Paulo Cavalcanti. A grande vantagem é que eu não precisava falar muito. Ele me entendia assim que eu iniciasse qualquer questionamento, derramando sábias palavras como o pai que eu gostaria de ter tido -- o meu apenas me levava para ajudar missa, como se acólito fosse missão divina irrecusável.
Paulo explicava as coisas da vida e do mundo com objetividade. Com sorte, apareciam na casa dele Mauro Mota, Pelópidas Silveira, Hiram Pereira ou qualquer outra personalidade recifense. Paulo, como todos sabem, era membro do Partido Comunista Brasileiro mas conhecia como ninguém a arte de fazer amigos e influenciar pessoas, sem nunca ter lido Dale Carnegie. Até Miguel Arraes de Alencar o ouvia com humildade. Depois do golpe de 1964 foi preso mais de 10 vezes, sem jamais renegar suas ideias e peripécias. Sequer aceitou sugestões de exílio.
Caminhando pela rua Imperial, almoçava ou jantava na casa de Hiram Pereira, um dos secretários de Arraes quando prefeito. Mas não era o lúcido administrador que me atraía: eram suas lindas filhas. Hiram, como se sabe, desapareceu em 1975, após jantar às escondidas na casa de uma das filhas em São Paulo, ao qual compareci. Hiram reclamava de meu silêncio à sala de jantar. Na verdade, morria de vergonha e não podia contar a secreta paixão pelas meninas. Era um perfeito bocó, embora repórter de UH.
Zodja Pereira, que conheci no teatro Santa Isabel estudando balé aos 16 anos, hoje é uma empresária de dublagem em São Paulo.
Sem nenhuma dúvida a andança mais curta era também a mais inesquecível. Meio quilômetro separava o prédio onde morava do mar onde mergulhava.
No Holiday, tinha a mulher que quisesse, na cama que escolhesse – como em Pasárgada; na praia, a que levasse.




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