DOIS RECIFE OU MAIS
Ao ler a edição do Jornal
do Comercio ou assistir as transmissões ao vivo da TV Cultura neste Carnaval
tem-se a nítida impressão de que Recife não é uma cidade e sim duas, ou mais.
Pelas imagens, um povo feliz, cantando a beleza da vida e esbanjando saúde e
beleza. O mesmo se pode dizer de Olinda, que aos folguedos acrescenta a beleza
da paisagem secular. O leitor e o expectador se contagiam de tal forma que
jamais suspeitam o que se esconde por trás dessa contagiante alegria.
Se o folião da poltrona
recorrer a qualquer sociólogo não encontrará nenhuma explicação convincente.
Nem Gilberto Freire deixou de exaltar a alegria contagiante do povo
pernambucano no Carnaval ou fora dele. Dom Hélder Câmara saudava a alegria do
povo como salutar, uma maneira de agradecer a Deus pela vida. E não aceitava
diferença entre pobres e ricos.
Pouquíssimos são os que
se trancam em retiro espiritual ou que preferem o silêncio, fugindo da folia. A
maioria se deixa levar como no samba. Se alguém prefere se trancar em casa para
ver os folguedos pela televisão ou ouvir pelo rádio, acreditem, está velho, doente,
ou os dois (quase acrescento: como eu).
Estudiosos que me
desculpem mas ouso admitir que essa euforia carnavalesca nos é imposta desde a
infância. Se vale um testemunho, aos doze anos me ofereciam lança-perfume. Aos
quinze, prostitutas e vinho como alternativas para uma vida feliz. Mesmo nas
cidades do interior do País o Carnaval já era sinônimo de libertinagem. Não
havia a criminalização do assédio, que, ao contrário, era sinônimo de machismo,
qualidade inerente ao homem com H maiúsculo.
No caso de Recife e
Olinda, o Carnaval mascara, como os papangus de Bezerros, a realidade da fome
que ronda cerca de 90% da população. Quem teve a coragem de mexer nessa ferida,
como Josué de Castro, Miguel Arraes de Alencar, Lula, Hiram Pereira, Gregório
Bezerra, entre outros, pagaram alto preço, alguns com a própria vida. Outros,
se fantasiaram de heróis, vestiram camisa de Che Guevara e alimentaram seu medo
no exílio forçado ou voluntário (quase acrescento: como eu).
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