COMER PELAS BEIRADAS
Quando servia sopa às crianças, minha mãe advertia: comecem
pela beirada pra não queimar o bico. Comer pela beirada é o que fazemos ao
consultar a internet a pretexto de qualquer assunto. Muita gente se informa
dessa maneira e esnoba quando expõe ideias como se fossem próprias. Conheço quem
abandonou curso de engenharia no primeiro semestre afirmando que os professores
são babacas, ensinando tudo o que ele já sabia. De tanto ver filmes sem
dublagem na TV a cabo, considera-se poliglota.
Alguns conseguem superar deficiência de conhecimentos de base
com algum tipo de habilidade, como Manoel de Barros e Cora Carolina. Exceções,
naturalmente. O mais comum nesses casos é viver sem viajar, sem grandes
emoções. Lá pelas tantas ficam vendo novela na televisão, geralmente as
mulheres, ou jogando dominó na praça, os homens. Os mais “cultos”, por sua vez,
esnobam a televisão e passeiam de iate, mergulham nos festivais de qualquer
coisa, viajam pelo mundo na primeira classe, e por aí afora. Mesmo se aprofundando
nos assuntos de seu interesse, às vezes não conseguem conciliar seus doutos
conhecimentos com uma vida saudável e honesta. Em sua mania por grandeza, ou
por querer ser diferente das pessoas medíocres, acabam em depressão e se
afundam em vícios de cura difícil.
Graças a essa mistura social proporcionada pelas grandes
cidades, frequento desde os shoppings mais chics até os clubes mais humildes.
Ora tomo cafezinho no Pátio Higienópolis, ora tomo pinga com qualquer
nordestino no mais sórdido boteco do Bexiga. Sou sócio de ótimo clube onde faço
Pilates, e frequento o Centro de Tradições Nordestinas, no bairro do Limão,
tudo às vezes num mesmo dia.
Qual burguês entediado, faço conscientemente essas
experiências para tentar entender alguma coisa. Confesso que ainda não entendi.
Continuo comendo pelas beiradas.
Comentários
Postar um comentário