HISTORINHA MELANCÓLICA

Menino ainda, morando no Interior, valorizava o noticiário ao ouvir o grito do jornaleiro anunciando a chegada dos jornais da Capital. Ainda hoje, aos 81 anos, faltando apenas 44 dias para novo aniversário, mantenho o interesse pelos destinos do País e acompanho com espanto os assaltos, a queda de energia elétrica, as denúncias de abuso sexual, e me comovo com as dificuldades do povo para conseguir assistência médica.
Já não é necessário aguardar o jornaleiro com as notícias. Basta ligar o rádio, a televisão ou o poderoso celular. Qualquer descuido, perdemos o dia inteiro nesse eterno vai-e-vem de desastres que se sucedem e vamos dormir sem resolver nossos próprios problemas, muito menos os problemas do mundo, que não são poucos. Estamos dançando numa ciranda de rodas, e não é em Itamaracá.
Outro dia me lembrei de uma banca de jornais que um grupo de amigos montou na rua da Matriz, em Caruaru. A banca era um disfarce para divulgar jornais que tentavam disseminar ideias revolucionárias. O pessoal queria vender publicações que defendiam a classe operária e fazia a apologia dos líderes soviéticos, isso lá pela metade do século passado.
Um belo dia, quer dizer, uma bela madrugada, um grupo de inimigos tentou destruir a banca, mas a juventude estava de plantão, prevendo o ataque. Ninguém possuía armas de fogo, terminando a briga depois de pequenos entreveros a socos e pontapés. A barraca, no entanto, foi totalmente destruída. Nunca mais vendeu nem amendoim. Alguns anos depois, em 1964, os idealizadores da banca foram presos, torturados ou tiveram de migrar para bem longe, cada um com sua sina.A imagem pode conter: céu, nuvem e atividades ao ar livre

O marceneiro que construiu a banca de madeira é hoje um pacato ciclista que percorre toda São Paulo pelas ciclovias diariamente. Chama-se Danilo Queiroz da Silva. Outros dois idealistas são Manuel Messias, irmão de Danilo, que mora em Olinda, e Romero Figueiredo, o último comunista ainda vivo, que mora em Paulista.
Todos continuam ouvindo notícias dia e noite. Obviamente, indignados com a ascensão da direita.

(Fotos: 1 - Manuel Messias, óleo de Romero Figueiredo; 2 - A banca de jornais ao lado da Matriz, na frente do Jardim Siqueira Campos)




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