SOM AO REDOR
Ele andava assobiando pelas
ruas, qual sonâmbulo, sem preocupação com os buracos da calçada ou eventuais
trombadas com quem viesse em sentido contrário. Quem o avistasse poderia pensar
que estava louco, docemente louco, pensando em alguma coisa como o céu, já que
não fazia outra coisa a não ser orar, pedir a Deus pela felicidade dos oito
filhos que trouxera ao mundo, exatamente por acreditar na máxima crescei e
multiplicai-vos de que falava a Bíblia.
Era um homem de muita fé, que
desistiu de ser padre alguns meses antes de ordenar-se. Não posso afirmar com
segurança, mas para tomar essa decisão talvez tenha sido influenciado pela
conversa que mantinha com as moças do coro da igreja, às quais ajudava e dava o
tom, literalmente, com seu violino, durante os ensaios – daí não quis ser
padre.
Para entrar no coro era
necessário passar no teste do Sol, Fá. Não confundir com teste do sofá a que
eram submetidas as candidatas a atriz de novela de televisão. Uma das coristas,
de 15 anos, sempre queria saber mais sobre as cantorias e perguntava em que
tonalidade se cantava o credo. Resumo da ópera: o violinista casou com a
corista e teve dez filhos. Fui o quarto, mas dois não “vingaram”, como se dizia
na época.
Quando ando pela avenida
Paulista tento assobiar, entre vendedores, gerentes engravatados, músicos de
rua e ciclistas. Sei que estou correndo sério risco de ser atropelado, mas nem
me importo. O céu é logo ali, quem sabe encontre meu pai.
Não vejo diferença entre as
músicas que ele assobiava e o som das buzinas indignadas, o barulho dos
helicópteros, dos aviões, de tudo.
A diferença talvez esteja nos
clássicos, hoje acessíveis a um toque em qualquer ou qualquer instrumento
eletrônico. A música, com certeza, faz a diferença. Não precisa dizer nada,
basta ouvir.
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