DESTINO, SE É QUE ELE EXISTE
Quis o destino que eu nascesse alta madrugada, sem auxílio
algum, enquanto meu pai saía à procura da parteira. Tanto melhor. Além de nu,
vim ao mundo livre como sempre tentei ser.
Quis o destino que a madrugada me acompanhasse, ouvindo o
canto dos galos e o coaxar dos sapos, quando chovia.
Quis o destino que eu fosse assim, quase parado de tanto
pensar, de só pensar, sem nada pedir nem decidir. Nem é preciso, pois nos meus
olhos sempre houve a paz de que preciso para viver. Meu coração foi construído
sem cuidados especiais para bater, e bate sem qualquer reclamação.
Quis o destino que minha riqueza fosse só Teresa, que rima
com beleza. Mas poderia ser Érica, que não precisa de rima, que se basta.
Poderia ser Hermengarda, que encantou Ledo Ivo a ponto de buscar amparo à cruz
de seu túmulo para chorar. Poderia ser o céu, ou o mar, antes de me afogar.
De pleno direito me aposentei, sem deixar de olhar as coisas
como são, Érica como ela é, eu como sou, sempre paralisado em meu langor.
Não tivesse aprendido a controlar meus gestos, talvez não
merecesse o castigo a que me impus, de não dizer tudo o que sinto, nem à
meia-luz.
Quis o destino que meus desígnios se perdessem antes de
virar poeta bissexto; que pagasse meus pecados antes de gozar seus encantos;
que nunca desconfiasse de nenhuma das torpes traições de que fui vítima; que
esperasse me resolver, que me implodisse e que morresse – de amor, como convém.
Quis o destino – se é que ele existe, se é que não o fiz –
que fosse assim, malgrado o esforço inútil de salvaguardar a minha honra.
São Paulo, 5 de agosto de 1998.
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