PRIMEIRA VEZ

Faltando apenas vinte dias para completar 81 anos fui pela primeira vez a uma manicure por causa de uma unha encravada. Como desgraça pouca é bobagem, aproveitei a deixa e fiz também as unhas dos pés. Adorei. Só depois me explicaram que a moça que cuidou de mim com tanto carinho não era exatamente uma manicure, mas uma podóloga. Por aí, imaginem meu nível de vaidade: zero. A primeira e última vez que tentei me exibir foi quando usei óculos com vidros brancos, sem grau, só para ganhar ares de intelectual, com um livro de Dostoievsky debaixo do braço. Tinha 16 anos. A procura de especialista tinha sido sugerida por um dermatologista, que além de extirpar pequenas pintas ao longo do meu corpo, visualizara meu notório descuido em cuidados do gênero. Alguns dias antes tivera experiência também inédita. Uma cirurgiã havia arrancado a unha do meu polegar direito, infestada por uma micose. A anestesia local não fez efeito. Assim, tive o desprazer de conhecer o que deveria ter sentido os comunistas na Intentona de 1935 e no Golpe de 64. Segundo consta, os investigadores lhes arrancavam as unhas para forçar qualquer confissão que os incriminasse e a seus companheiros. Perdoem-me se a comparação é exagerada, mas é a que me ocorreu quando a cirurgiã usou um alicate para abrir caminho para a unha nova que surgia em meio a fungos. Perdoem-me também se me refiro a uma primeira vez de forma tão desconfortável. Quando o assunto é primeira vez é mais comum nos referirmos a ocorrências prazerosas, tipo primeiro amor, primeira viagem, primeira transa... Em outros tempos sentia prazer em tomar banho de mar ou de piscina, viajar de avião, passar as noites num cabaré, viajar mar a dentro, e até em olhar as estrelas, entrever coxas na sala de aula... Mas sentir prazer quando nos coçam os pés é no mínimo uma grande bobagem.

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