ENTERRANDO DÚVIDAS
Há algum tempo venho tentando descobrir a causa do desinteresse
por determinadas coisas. Algumas são óbvias, como a diminuição da libido,
normal quando se chega a certa idade. O problema é descobrir porque não acho
graça nos inocentes cachorrinhos, na dança desengonçada de idosos tentando
ostentar jovialidade, no desabafo de certos artistas e nos humoristas que
transformam a sexualidade em piadas infames.
É verdade que na juventude também embarquei naquela de me
sentir dono do mundo e até aderi à causa operária, sentindo-me senhor de todas
as coisas, arrogante como um líder, quase um sacerdote com a missão de salvar a
humanidade. Mas era tão tímido que acabei taciturno nas baladas. Não externava
possibilidade de vitória. Quando fundaram o PT, versão modernosa das intentonas
comunistas, já não comungava de nenhum entusiasmo.
Na juventude, tudo o que queria era ver o circo pegar fogo,
ou ver a beata segurando o vestido para esconder o colo, seu lindo tesouro. Só
pensava naquilo. Mais tarde, convivi com pessoas que falavam em Lenin, Stalin,
Marx e Engels, que não entendo bem até hoje, mesmo depois de ter lido alguma
coisa, inclusive parte da obra de Caio Prado Jr.
Pudera. Como alguém com curso secundário incompleto, à época,
poderia navegar por páginas tão complexas? O fato de ter convivido com o autor
durante uns 30 dias, percorrendo a ilha de Fidel de ponta a ponta, não me
credencia a deglutir com facilidade tudo o que intelectuais da USP dissecavam
com dificuldade.
Ainda hoje tento entender certas coisas. Como entender, por
exemplo, a barafunda em que se transformou o País após denúncias, delações
premiadas e demais quiprocós políticos e jurídicos? Não. Minha cabecinha não
foi feita para isso. No máximo, ela aguenta suspirar ao desfile de Gisele Bundchen,
com a música de Rachmaninoff ou ouvindo Elis Regina.
Lamento finalmente não tocar violão como meu filho e minha
nora e sofro com o destino das vítimas da microcefalia, esse flagelo moderno
que atinge algumas famílias.
Assim, no momento em que o País tenta voltar aos trilhos,
após saque de políticos inescrupulosos, festejo a maratona de ter chegado ao
ponto de duvidar de tudo, inclusive da oportunidade de algum dia esclarecer
minhas dúvidas. Vou me cobrir de vergonha, aceitar minha ignorância, enterrar
minhas dúvidas e tentar dormir em paz.
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