DESCARTE INEVITÁVEL
O que fazer
com coleções de jornais e revistas, livros, recortes de jornais, velhos
negativos e fotos, recibos de contas de luz, gás, telefone, holerites, condomínio,
banco, exames e receitas médicas, velhas agendas, aparelhos eletrônicos quebrados
ou superados?
Ocorre que
cada vez que se joga no lixo um comprovante qualquer, dia seguinte ele é
requisitado por alguma razão, ou seja, basta alguém se desfazer de algo, para
em seguida surgir alguma necessidade de resgatá-lo. Chegou minha vez.
Essas e
outras dúvidas surgiram quando se tornou necessário trocar os tacos do
apartamento, com 40 anos de uso. Jamais imaginei que houvesse tantos papéis
acumulados. De nada adiantou consultar os sebos: além de se recusarem a comprar qualquer livro, sequer quiseram como doação.
Estava com pena de jogar no lixo biografias, romances, coleção de Realidade e
Revista Civilização Brasileira, livros de Direito em que tentei ser advogado...
Foi aí que
me ocorreu a brilhante ideia de recorrer ao condomínio onde resido, que tem
1.024 apartamentos, cerca de 5 mil moradores, muitos estudantes. Propus que a
pequena biblioteca fosse exposta e que os interessados pegassem, de graça,
qualquer obra. A síndica foi rápida no gatilho: fizemos isso duas vezes e
ninguém pegou nenhum livro. Nenhum. Tivemos de vender por quilo.
Ainda bem
que meu pequeno patrimônio de mais de 50 anos não se compara nem de longe ao
caso de José Mindlin, cuja biblioteca é hoje um patrimônio da USP, com prédio
próprio construído especialmente para abriga-la, e as de estudiosos como José
Ramos Tinhorão, cujos livros foram incorporados à Fundação Moreira Sales. Já o
jornalista e pesquisador Assis Ângelo até hoje tropeça no enorme acervo de
discos e livros que acumulou como crítico de música popular, obrigando-se a
criar o Instituto Memória Brasil, por
cujo patrimônio nenhum órgão público ou privado se interessa. Acometido de
incurável cegueira, Assis Ângelo resgata, quando pode, algumas estórias pouco
conhecidas desse mundão de cantos e
cantorias.
Resta-me
imitar o boêmio que doa ao primeiro interlocutor o livro que leu no decorrer da
semana, com a recomendação de ler e passar adiante. O descarte dói, mas é
inevitável.
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