COMO SE FOSSE MEMÓRIA

Desde o dia em que fiz 80 anos (12/01/2017) venho pensando em fazer um balanço não contábil do que foi a minha vida até agora. Não consegui ainda, provavelmente pela pouca importância dos acontecimentos que se sucederam desde a infância até a aposentadoria, adiada várias vezes pelo receio de diminuir os rendimentos, e perder o contato e a agitação diária a que me acostumei desde a juventude.
De fato, desde os dez anos meu pai me empurraria para diferentes atividades – balconista, caixa do cinema, datilógrafo, office boy – qualquer coisa que proporcionasse algum dinheiro para comprar meus próprios sapatos. Assim, quando fiz 18 anos, vi o serviço militar como saída honrosa para iniciar minha independência. Antes disso, me iniciara nas safadezas, fazendo serenatas ao luar, frequentando botecos e arvorando-me de rebelde sem causa.
Na Aeronáutica, me beneficiei da proximidade dos mecânicos, por ser almoxarife de peças de avião, para embarcar nas aeronaves em teste após revisões periódicas. Não contabilizei horas de voo, mas logo chegaria a brigadeiro se tivesse continuado na Base Aérea do Ibura. Fiquei lá três anos, o suficiente para ler todos os romances de Dostoievsky nas horas de folga e concluir que devia abandonar a vida das continências.
Preferi rasantes. Virei bancário e em seguida jornalista, inicialmente no Jornal do Commercio, depois na Última Hora-Nordeste, na Editora Abril, no O Estado de S. Paulo e outros jornais, e finalmente como assessor de imprensa, no Unibanco e na Siemens.
Mas foi no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP que vivenciei minha maior experiência, acompanhando e divulgando eventos médicos, bem como atendendo jornalistas em todas as suas investidas contra ou a favor do hospital. Para tanto, tinha de mergulhar a fundo nas questões médicas e driblar os coleguinhas quando eles atacavam a instituição. Muitas vezes tive de me fazer de morto-vivo, para evitar desdobramentos desagradáveis.
Ao fim de 21 anos de ininterruptas atividades – e põe ininterruptas nisso: sábados, domingos, feriados, dia, noite, madrugada – fui afastado pelo simples fato de continuar na ativa. Queriam as vagas dos aposentados, eu era um deles, na suposição de estavam ali apenas ocupando cadeiras. Não era o meu caso, assediado dia e noite pelos jornalistas. Era criticado pelos colegas por não atender satisfatoriamente a demanda de notícias e acusado pelos médicos de assessor da imprensa e não de imprensa.
A internação de Tancredo Neves no Incor iniciou tumultuada ascensão do HCFMUSP na mídia, com minha discreta atuação junto a Antônio Brito.
Os poucos livros em que registrei essas atividades foram recebidos com indiferença. Internamente, então, nunca foram vistos com bons olhos.
De qualquer forma, até hoje me beneficio dos congressos médicos, das inovações e descobertas científicas que divulguei e até atribuo minha longevidade a esse contato direto com seringas e comprimidos e a pelo menos três cirurgias: na coluna lombar, na próstata e na cervical. Quase virei biônico. Assim, quando alguém comenta “como você está bem pra sua idade” eu rebato: “você não sabe da missa o terço” – seja lá o que isso significa. Não é nada fácil conviver com limitações...

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