OUTRAS FRAQUEZAS DA CARNE


Sou do tempo em que quando se dizia que a carne é fraca a gente se referia à tentação de um decote, pernas ou coxas grossas, seios salientes, enfim, qualquer visão ou antevisão do corpo feminino, provocando arrepios ou outras sensações mais eloquentes. As feministas repudiam a ideia de que incentivam comportamentos inadequados, como estrupos, quando expõem acintosamente partes do corpo. A verdade, porém, é que a carne é fraca. A percepção se aguça quando a beleza aflui.
Sou do tempo em que se reprimia à exaustão qualquer atividade sexual. Não era permitido falar no assunto, o que não impedia que até na missa certos detalhes despertassem o  interesse de beatos e beatas. Pelo joelho se enxergava a coxa, pelo decote se anteviam os seios. Fazia sucesso o garoto mais sem-vergonha que contasse mais detalhes a respeito do assunto, como a sorte de ter visto a vizinha ou a empregada trocando roupa. A descrição emocionava mais do que qualquer outra história.
Um dia a professora cruzou as pernas inadvertidamente, ou quem sabe de propósito, e garanto que muitos alunos daquela sala jamais esqueceram aquela cena. Um dia a cozinheira deixou cair um utensílio nos meus pés e, ao tentar levantar-se, segurou nas minhas pernas e depois na minha cintura, de forma a despertar meus hormônios. Nunca havia sentido algo igual. A cena se repetiu em outros dias. Entendi tudo. Quando minha mãe desconfiou já era tarde. Não sei porque a pretinha não engravidou. Eu nem desconfiava o que era racismo, tampouco percebia o significado de machismo.
Desde então passei a ler com outros olhos (ou seria com as mãos?). Nos romances, o que mais interessava eram as cenas de amor - quanto mais quentes, melhor. Os namoros nunca iam além de segurar nas mãos, exceto nos bailes, quando  era normal encostar as coxas, colar o rosto quente e sentir no tórax os seios duros da dançarina.
No cinema da cidade havia uma mocinha que se destacava na plateia. Quem sentasse a seu lado não precisava necessariamente assistir ao filme para desfrutar grandes emoções. A mão dela começava roçando levemente a perna, ia subindo, subindo, até encontrar a braguilha. Acontecia o inevitável. Ao mesmo tempo, devagarinho, ela puxava a mão do companheiro para debaixo de sua saia. Antes de acabar o filme, o rapazinho saía discretamente e dizia: agora é tu. A moça era conhecida de todos, mas prevalecia a discrição.
No interior não havia aquele rola-rola dos trens, metrôs ou ônibus superlotados. Não havia ainda o neologismo encoxamento nos tempos em que eu subia a rua Augusta em ônibus superlotados de colegiais, na década de 60.
Quem nunca se surpreendeu em condições de encoxamento?
Quanto à possibilidade de queixa sobre o eventual tom machista destes comentários, adianto que se trata de remotas e despretensiosas lembranças de oitentão de carnes flácidas, que não encoxa nem nos bailes da terceira idade.

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