GRAVATÁ: AQUI TOMBOU CLETO CAMPELO
Ao abrir a janela todos os dias avistava a imponente cadeia pública onde
uma placa de bronze anunciava solenemente: “Aqui tombou Cleto Campelo”. Menino
ainda, não atinava com clareza para o recado histórico. Só mais tarde, viria a
ler a “História de Gravatá", de Alberto Frederico Lins, que brilhantemente
explica quem foi o bravo militar do Exército que um dia sonhou seguir os passos
da Coluna Prestes, na década de 20 do Século passado, e tombou atingido pelos
próprios companheiros durante operação em que tentava soltar os presos para
incorporá-los às suas tropas.
A janela era a da casa de meus pais, na rua Cleto Campelo, nº 101,
exatamente em frente à cadeia da cidade, que abrigava criminosos e ladrões de
galinha. Era a mesma da qual eu via desfilar todos os dias as normalistas,
vestidas de azul e branco, com sorriso encantador, conforme samba-canção de
Nelson Gonçalves que minha própria mãe cantava enquanto costurava.
Mais do que os dizeres da placa de bronze, o que impressionava o
pré-adolescente era o desfile das normalistas em direção ao colégio das
freiras. Uma em particular, que se chamava Marta e ostentava o que os poemas
chamavam de porte de rainha. Não sei quantos poemas ou cartas de amor escrevi
então, tampouco se ela recebeu ou leu algo do tipo algum dia. O pequeno drama
serviu pelo menos como exercícios líricos de redação.
Não via da janela os banhos no Ipojuca. Bandos de meninos afoitos se
jogavam nas margens do rio e atravessavam de uma margem à outra, nadando sem a
mínima técnica, até chegar ao outro lado. O desafio de voltar no mesmo pique
era uma façanha digna dos mais ousados rapazinhos do lugar. Os pais não sabiam,
óbvio, mas não me lembro de nenhum afogamento.
Se o assunto é infância, nada mais presente na memória do que a missa
aos domingos, nas quais era acólito. Tinha um ar solene e começava às 9 da
manhã, com toda a sociedade presente – inclusive Marta. Não, não pensem que tal
lembrança constitua um carma ou tenha representado um drama de vida. Outras
martas se sucederam ao longo de tumultuada trajetória, aqui lembrada depois de
muitas outras cartas e poemas de amor, publicados na Vanguarda, de Caruaru, e
no Jornal do Commercio, do Recife.
Marta virou Caruaru, que depois virou Recife, e um dia me apaixonei até
por uma São Paulo poluída, cheia de sonhadores nordestinos.
Não faz mal. Se não curti a Marta, curti outras lindas mulheres que
algum dia desfilaram em outra rua que não era a Cleto Campelo. Não se vive só de
amor, mas também não se morre.
Recife, 24/01/2016
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