VANDRÉ, A ESFÍNGE


A liberdade que a Justiça concedeu aos escritores, permitindo a publicação de biografias independente de autorização do biografado, não trouxe ao leitor nenhuma vantagem, pelo menos até agora.                                                                                                                                                          
Logo de cara saiu um livro contendo as peripécias de um autor na tentativa de escrever a biografia de Roberto Carlos. O pesquisador Paulo César Araújo, fã de carteirinha do cantor desde a infância, relata em "O Rei e Eu" todas as tentativas de entrevistar seu ídolo e repete à exaustão o que já estava no primeiro livro, confiscado a pedido do cantor. Nem a amputação de parte da perna do espirito-santense constituía qualquer revelação. A história já havia sido contada pelo repórter Sérgio Kalili na revista Realidade na década de 60.
"Vandré, o homem que disse não", da Geração Editorial Ltda., é um livro perfeito, sob todos os aspectos. Muito bem produzido, com uma capa maravilhosa de Alan Maia, belo texto do jornalista mineiro Jorge Fernando dos Santos, impecável revisão, e por aí afora. Conta a vida de Vandré desde o seu nascimento em João Pessoa, na mesma data em que nasceram Vicente Celestino e Juscelino Kubitschek, numa contextualização inócua, que chega à hipótese de que as tendências revolucionárias do compositor tenham tido origem nos fatos ligados ao cangaço na Paraíba. O presidente João Pessoa foi assassinado no Recife. Se vivo fosse, o paraibano Ariano Suassuna teria novas e  belas estórias ditas armoriais.
Muito provavelmente o autor se ressentiu da negativa de Vandré em colaborar, sendo obrigado a recorrer em várias oportunidades a ocorrências paralelas para chegar aos fatos ora claros, ora obscuros da vida do compositor, que detestava falar sobre ele mesmo.
Há pouco mais de um ano Vandré chegou a colocar barricadas em sua porta para impedir o assédio de quaisquer pessoas, conforme contou o jornalista Thales Guaraci, que durante dois meses colocou bilhetes sob sua porta pedindo uma entrevista.
A primeira explicação sobre a mudança de comportamento de Geraldo Vandré, que passou de cantor-compositor revolucionário com seu grande sucesso no 3º Festival Internacional da Canção, ("Pra não dizer que não falei de flores - Caminhando"), a simples advogado, saiu no caderno Folhetim da Folha de São Paulo, em setembro de 1978. O repórter Assis Ângelo, por coincidência também natural da Paraíba, conseguiu a façanha de conversar com ele e escrever algo a respeito. Segundo explicou, não era uma entrevista, mas uma conversa metafórica, em que Vandré declara: "O problema é que você está querendo falar com Geraldo Vandré. Mas você não está falando com Geraldo Vandré. Você está falando com a pessoa que inventou Geraldo Vandré, entende? Eu me chamo Geraldo Pedrosa de Araújo Dias."
Sempre que procurado pela imprensa, ele insiste em afirmar que não existe mais. Daí algumas pessoas admitirem que ele não bate bem da cabeça desde que foi preso e torturado em várias oportunidades, algo que ele nega até hoje.  
Por causa dessa não-entrevista, Assis Ângelo passou a ser procurado por outros jornalistas para interferir no sentido de obter entrevistas, mas tem se recusado a ajudar, por conhecer a decisão inabalável do conterrâneo de não falar a ninguém, sob nenhum pretexto.
Se a recusa de Geraldo Vandré em conceder entrevistas sobre sua obra é algo intransponível, pior é quando se quer esclarecimentos sobre sua eventual admiração pelas Forças Armadas, particularmente pela Aeronáutica.  
Tudo que saiu na imprensa e volta à tona neste livro é cercado de mistérios. Ao lado de João Gilberto, Vandré continua uma esfinge.
Na próxima semana, o jornalista e escritor Moacir Assunção, autor de uma biografia de Luiz Carlos Prestes, da Lazuli, vai ministrar no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo um curso de Jornalismo Investigativo. Quem sabe algum jovem entusiasta desse tipo de jornalismo se interesse por tão palpitantes mistérios.

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