O INFERNO DOS RESMUNGOS




Mesmo não sendo como a mulher da música de Chico Buarque, o rádio faz todo dia tudo sempre igual. Mete o cacete no que está errado, critica autoridades, aponta descaminhos, xinga e reverbera. Às vezes exagera, mas na maioria das vezes apenas dá voz ao povo que sofre com a má qualidade do transporte coletivo, com a alta de preços, com tudo o que se sabe e que se vê. 
Sendo um veículo acessível, mais do que o jornal, o rádio repercute tudo muito rápido. Autoridade inteligente responde rapidamente, dando entrevista ou nota oficial. 
De um lado, tudo isso é ótimo. O ruim dessa discussão é que, mesmo não tendo nada com isso, pelo menos aparentemente, perdemos nosso tempo e nosso latim com discussões que desviam nossa atenção, ou seja, deixamos de fazer coisas mais úteis, como ler um bom livro, por exemplo, para participar dessas pelejas, importantes mas repetitivas. 
No momento atual discute-se o fechamento aos domingos da avenida Paulista. Por decisão unilateral da prefeitura, os carros e os ônibus não circulam pela mais paulista das avenidas, ferindo o direito de ir e vir dos que ali residem e dos precisam transitar a caminho de outros bairros. Quem mora nas redondezas não pode sequer tirar o carro da garagem. Quem tem parente em hospital não pode visitá-lo de carro ou de táxi, tem de ir de metrô ou a pé. Quem tem comércio é obrigado a vê-lo esvaziado. 
Isso significa sacrifício incalculável para muita gente, só para que outras pessoas se sintam felizes, passeando em bicicletas ou a pé no leito da rua. 
Se fosse uma decisão da maioria da população, tudo bem. Mas como se sabe, não é. A decisão é do prefeito, que no máximo ouviu alguns assessores. E pronto.
Outra observação que acredito pertinente, ou no mínimo curiosa, é a irritação gratuita dos que se propõem a se divertir. A propósito, conto o que vi e ouvi ao me dirigir ao cinema.   
Fui ao complexo denominado Reserva Cultural para assistir ao filme "O julgamento de Viviane Amsalem". Como a maioria das pessoas, calculei chegar em cima da hora, tempo suficiente para comprar ingresso e acomodar-me devidamente na poltrona numerada. O que não previ é que aos sábados e domingos os cinemas são disputados e tive de enfrentar uma fila, sendo que a preferencial - dos idosos, grávidas ou portadores de deficiência - era maior do que a dos ditos normais. Não bastasse isso, quase ao chegar ao guichê fui abordado por um idoso que me  pedia insistentemente que eu comprasse o ingresso dele, tendo em vista, exatamente, a grande fila. Nem precisei me negar: as mulheres atrás de mim fizeram enorme barulho e expulsaram o coitado para o fim da fila. 
Na platéia, outro embaraço. O filme já começara e todos procuravam seus assentos, com dificuldades para achar suas respectivas cadeiras, que eram numeradas. 
Pudera, um bando de velhinhos e velhinhas, alguns de bengala, quase todos com óculos tipo vidro de garrafa, procurando o número da cadeira...no escuro!
Iniciada a sessão, haja celular tocando, para desespero de todos. As mulheres comentavam: como entram no cinema e não desligam o aparelho? Que falta de educação!
Em plena sessão, alguns resolvem sair, por algum motivo, obrigando as pessoas a se levantarem e provocando novo embaraço: senta! - gritavam todos, diante da incômoda situação.  
Na saída, novas queixas: filas pra fazer xixi, filas pra tomar café, filas para entrar no elevador, filas pra retirar o carro da garagem. 
Resumo: nunca vi e ouvi tanta gente resmungando. 
Assim, o salutar hábito de se divertir vem se transformando no doentio costume de reclamar a qualquer custo. 
Além disso, na entrada e na saída do cinema, outros grupos discutem a validade das ciclovias, o fechamento de uma avenida aos domingos, a derrubada do Elevado Costa e Silva, a Cracolândia, os buracos das ruas, o excesso de semáforos, as multas de trânsito e até os preços praticados pelas lanchonetes.  
Nada contra o direito de espernear, mas antes de me tornar mais um velho ranzinza, fico com Carlos Drummond: a única coisa a fazer é tocar um tango argentino. E rir de nossa desgraça. Em busca de lazer, busca-se o inferno dos resmungos. 

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