SOLIDÃO EXPERIMENTAL
Um dos maiores problemas das cidades grandes é a solidão.
Quanto maior a cidade, maior o isolamento das pessoas de todas as idades,
principalmente as idosas, cujos filhos ou parentes partiram em busca de suas
próprias vidas. Os filhos casam, os parceiros viajam antes do tempo normal,
ocorrem divórcios e separações pelo desgaste dos relacionamentos, e assim por
diante. Percebendo ou não, sofrendo ou não, um dia a gente se surpreende
morando só.
Todos conhecem as vantagens e desvantagens da solidão. A
liberdade, o direito de escolher o livro, o programa de televisão, o filme, o
que fazer nas horas vagas, sem o inconveniente de outras pessoas exercendo
também o vllmesmo direito, num mesmo
ambiente, atrapalhando nosso desfrute. As desvantagens são incontáveis, talvez
em maior número. Não ter com quem dividir os sentimentos é o mais premente.
Tenho uma vizinha mais solitária do que eu. Não tem carro,
não vai ao cinema, não discute futebol, não vai sequer à missa, como eu.
Identifico-me com ela quando abro ou fecho a janela, ligo ou desligo a
televisão, acendo ou apago a luz do banheiro, abro ou fecho a janela para
espiar os que desfilam no passeio que divide os prédios. Quando percebo, é um
horror. Sinto-me a mais infeliz das criaturas, tendo que repetir gestos de uma
idosa de oitenta anos, tão solitária quanto eu. Certa vez ela me contou que
passou o dia inteiro preparando uma sopa especial que uma das filhas apreciava.
Foi ao mercadinho, comprou todos os ingredientes, caprichou no tempero, e ela
não veio. Teve de tomar a sopa no jantar e no almoço e ainda me trouxe uma
porção, para não jogar fora, e dividiu com os gatos, que proliferam entre os
prédios em notívagos miados. Eu, pelo
menos, ainda dirijo e quando quero vou à casa dos filhos, ao cinema, às
livrarias e até ao SESC, onde ocorre a maior concentração de idosos no
exercício de um lazer programado. Só me recuso a ir às praças onde alguns
homens jogam dama ou baralho. Prefiro os cafés, onde além de saborear uma
iguaria, pode-se jogar conversa fora com alguma classe, dependendo do
interlocutor.
Minha vizinha solitária não reclama de quase nada, exceto do
calor, quando faz, ou do frio, quando incomoda. Nunca está mal-humorada.
Sempre que o telefone toca lembro-me do personagem de
Gabriel Garcia Marquez em “Ninguém Escreve ao coronel”, que li e reli tentando
buscar similitudes. Não achei nenhuma, ainda. Ele se queixava da falta de
cartas. Ia aos Correios diariamente perguntar se não chegou alguma. Quase todo
dia recebo holerites, multas de trânsito, pedidos de ajuda, cobranças indevidas
e folhetos de pizzas as mais variadas. Daria pra viver o resto da vida sem sair
de casa, só comprando por telefone e pagando com cheque ou cartão.
Uma colega de trabalho me relatou que o maior sonho de sua
vida seria alugar alguns filmes e passar uns três dias em casa. Marido e filha
não permitem. Fiz a experiência, ou melhor, tentei. Uma coisa é ver um filme no
cinema, em casa não tem graça. E quando tentei a solidão experimental,
permanecendo um fim de semana em casa, foi também a pior experiência. Caiu de
vez a tese que tentava defender de que a gente pode viver bem, sem depender de
ninguém. Na verdade, a solidão é boa em algumas circunstâncias, ruim em outras.
Num determinado momento pode ser conveniente, mas já me convenci de que não
deve ser adotada como estilo de vida.
Comentários
Postar um comentário