EM MEMÓRIA DE PAULO CAVALCANTI


Naquele tempo não havia internet. A melhor maneira de obter informações e aperfeiçoar conhecimentos era frequentar a escola e as bibliotecas existentes. Para informações do dia, recorríamos ao rádio, aos jornais e à televisão, como ainda hoje. Não havia as chamadas redes sociais, que permitem a qualquer um expressar suas opiniões, livres de qualquer censura.
Formávamos um grupo metido a besta, no melhor sentido, que além de ler com avidez e inquirir com pertinácia, estendíamos nossa peregrinação a uma romaria pelos botecos, na busca de respostas às nossas indagações e na tentativa de testar na prática nossas convicções. Não era de bom tom ser comunista, pois a maioria era de classe média, preparando-se para o vestibular ou para o início de uma vida social relevante na cidade.
Mesmo assim, por mais que tentássemos esconder, era evidente essa tendência, que transparecia nas mais simples manifestações sociais.
Aconteceu que o advogado e procurador estadual Paulo Cavalcanti foi a Caruaru fazer uma palestra sobre recente viagem à União Soviética. Convidado pela associação cultural que congregava esse pretensioso grupo de jovens, o conhecido olindense discorreu sobre os progressos e as benesses do socialismo, dando ênfase aos avanços da educação nos países sob tal regime, onde o ensino era obrigatório e gratuito, além de avançado. Uma emissora de rádio de Moscou mantinha programa em Português e Espanhol, divulgando as maravilhas do socialismo e oferecendo bolsas de estudo aos que quisessem estudar na Universidade Patrício Lumumba, o que aumentava a curiosidade da juventude.
No dia seguinte à palestra encontrei Paulo Cavalcanti no trem que nos conduziria ao Recife. Durante o trajeto, de umas três horas, ele novamente expôs sua experiência de viagem, mostrando calmamente dezenas de fotos que fizera na ocasião.
Essa coincidência marcou o início de uma grande amizade, que culminou com a indicação de meu nome para a assessoria de imprensa da prefeitura do Recife, na gestão do prefeito Pelópidas Silveira, em 1962.  A amizade só foi interrompida em 1964, quando fui obrigado a migrar para São Paulo, fugindo ao cerco que se formou em torno dos pretensos subversivos. Na época, todos os que tivessem qualquer ligação com o governador Miguel Arraes ou com o prefeito Pelópidas Silveira eram presos, torturados ou até mortos, conforme o envolvimento. Fui apenas preso. Não era dos mais conhecidos nem oferecia qualquer perigo.
O que me impressionava na figura de Paulo Cavalcanti era sua extraordinária habilidade em convencer seus interlocutores. Não apenas com relação a seus intentos políticos, mas também diante de qualquer demanda que se lhe apresentasse, inclusive e principalmente com relação aos deveres familiares. Nesse aspecto, Paulo Cavalcanti era o cabal desmentido de que o comunismo era inimigo da família, isolando os filhos desde pequeninos para tarefas estudantis ou políticas. Era rigoroso na educação, na transmissão de conhecimentos e na imposição de conceitos morais e éticos, mas ao mesmo tempo pai amoroso. Seus filhos são de boa índole e herdaram dele a coerência com que conduziu sua vida, enfrentando várias e sucessivas prisões, sem jamais arredar pé de suas convicções. Em todas as prisões por onde passou jamais alguém ousou levantar sequer a voz contra ele, tal o respeito que impunha e a admiração que inspirava. A certa altura, tornou-se advogado de presos políticos, sendo ele mesmo um deles.
Ao assistir ao documentário sobre sua vida lembrei-me dos episódios que marcaram a vida de jovens caruaruenses nos ano 50 do Século XX. Copio o autor, que se valeu do folclore para ilustrar suas memórias: “o caso eu conto como o caso foi: o ladrão é ladrão, o boi é boi”.



Para os que quiserem assistir o documentário:

https://www.youtube.com/watch?v=bZZJDgBwxlQ&feature=youtu.be

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