CRIATIVIDADE E ÓCIO
Minha visita ao Word Trade Center antes de sua destruição. Ao fundo, a estátua da Liberdade
CRIATIVIDADE E ÓCIO
Durante algum tempo acreditei que o ócio é um grande amigo da
criatividade, como dizem. Para compor uma música, fazer um soneto, escrever um
romance ou pintar um quadro é necessário bocejar, espreguiçar-se, andar à toa,
olhar o céu e as estrelas e despojar-se de toda a ansiedade que caracteriza a
vida moderna.
Acreditei nisso, ao ponto de assistir ao Programa Silvio Santos, passar
tardes inteiras no parque do Ibirapuera, acompanhar desfiles nos corredores dos
shoppings , tomar cafezinho nos bares à porta de academias e até pegar o metrô
até a última estação só pra puxar conversa e apreciar a diferença de tipos.
Nunca tive coragem de frequentar os cinemas de filmes pornô da avenida São
João, pois aí seria baixaria por demais.
Já me surpreendi nas calçadas da Rua 25 de Março, mesmo não querendo nem
tendo absolutamente nada para comprar. Queria apenas ver in loco e em cores o que é que esta rua tem. Estendi os passos até
a Praça da Concórdia, no Brás, e fiz questão de ir à portaria do Hotel
Cavaleiro, na rua do mesmo nome, só pra conferir o quarto em que dormi dois ou
três dias ao chegar do Nordeste há 50 anos com vinte cruzeiros. Surpresa: o
hotel ainda existe. De lá fui resgatado pelo amigo Caio Gracco Prado, que
gentilmente me hospedou em sua própria casa até conseguir emprego na Editora
Abril.
Chegara até ali numa Kombi, espécie de pau-de-arara sofisticado, que
demorou uma semana entre Caruaru (PE) e o Brás, com dez pequenos comerciantes
de jeans, então em moda no Agreste
pernambucano.
Em busca de novidades para o ócio frequentei todos ou quase todos os
parques, teatros, praias, cidades, tudo enfim que enleva e distrai. Fui certa
vez ao topo do Word Trade Center, de saudosa memória, só para avistar lá
embaixo, bem pequenininha, a Estátua da Liberdade. Já me surpreendi também em
Oxford Street, abestalhado com a diferença de raças, trajes e trejeitos.
Nada disso adiantou. Tampouco os cursos de criatividade ministrados por
escritores, jornalistas, faculdades e os vários livros a respeito que devorei,
aproveitando a tal ociosidade. Donde se conclui que a ociosidade não estimula a
criatividade, algo que ninguém ensina e ninguém aprende.
Dizem, finalmente, que só com muito suor se cria alguma coisa. Mesmo
assim, o calor dos últimos dias não confirmou nada até agora. Quem sabe uma
sauna resolva esse problema por enquanto insolúvel.
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