ARARAQUARA VERSUS CARUARU
Toda vez que Ignácio de Loyola Brandão descreve cenas e
relembra diálogos ouvidos na infância e juventude, em sua querida Araraquara,
reporto-me a duas cidades em que vivi experiências semelhantes: Gravatá e
Caruaru, no Agreste pernambucano. Essas cidades, como a maioria das cidades
brasileiras, conservam algumas particularidades, como a igreja católica
dominando a paisagem, o bar reunindo sonhadores e alcoólatras, os ginásios e
colégios com fogosas moças e corajosos rapazes, figuras folclóricas e solteironas
incorrigíveis. Há sempre um padre que não resiste à sensualidade de uma beata e
deixa a batina, um bêbado recitando poesia, um advogado fanfarrão e um político
que extrapolou as divisas do município.
No caso das ferrovias há espantosas similaridades. Tanto em
Gravatá como em Caruaru havia a figura inconfundível do chefe da estação e a
chegada do trem com os jornais da capital. Em Araraquara, intelectuais
aguardavam ansiosos O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo; em Gravatá, o
jornaleiro Zé do Gelo saía da estação ferroviária e percorria as ruas da cidade
gritando “Comércio” e “Diário”, referindo ao Jornal do Comércio e Diário de
Pernambuco. Enquanto Loyola devorava os jornais paulistanos, modestamente eu
comia com os olhos o jornal de F. Pessoa de Queiroz ou o representante dos
Diários Associados. Ambos, ainda hoje, lideram a preferência dos leitores
pernambucanos, mantendo inclusive vistosas edições eletrônicas. Apesar das
ameaças às edições impressas, ainda hoje o Estadão e a Folha chegam às bancas de
Caruaru antes do meio-dia.
Enquanto Loyola fazia crítica de filmes, eu vendia os
bilhetes do único cinema de Gravatá, o Cine Holanda, ganhando o direito de
acompanhar as séries de Flash Gordon e conhecer Gina Lolobrigida, Sophia Loren,
Brigitte Bardot, Heddy Lamar, Oscarito, Grande Otelo, Anselmo Duarte e até um
certo Francisco Carlos (alguém se lembra dele?), com quem meus conterrâneos
encontravam semelhanças físicas e brincavam, perguntando se meu pai, que fizera
dez filhos, não traíra eventualmente minha mãe. Não – explicava – meu pai nunca
esteve fora de Pernambuco, que eu me lembre.
Se Araraquara deu Loyola, Caruaru deu os irmãos Condé (José,
João e Elysio), Álvaro Lins, Austregésilo de Athayde, Limeira Tejo... Deu escritores
como Nelson Barbalho e Assis Claudino, entre outros, que se não conseguiram
expressão nacional, são incrivelmente profícuos. O primeiro fez mais de cem livros, o segundo
tem pelo menos uns dez na gaveta, além dos que publicou.
Na área política, Loyola lembra com frequência Ruth Cardoso,
mulher de Fernando Henrique Cardoso, de prestígio internacional como educadora,
que ele conheceu ainda jovem. Caruaru deu Fernando Lyra, eleito deputado
federal várias vezes e depois ministro da Justiça de Tancredo Neves.
Testemunhei suas noites em branco para conseguir a desejada carteirinha da OAB.
Se a questão for prestígio além-fronteiras, Caruaru tem
Vitalino, o conhecido artesão que reproduzia no barro as figuras nordestinas. Araraquara
não tem um bairro só de artesanato, como Alto do Moura, nem uma Nova Jerusalém,
réplica quase perfeita da cidade israelita, a poucos quilômetros, pontos
turísticos visitados por turistas do Brasil e do mundo.
Talvez o amigo Loyola veja resquícios de inveja nessas
comparações. Um talento que transforma pequenos e remotos fatos da juventude em
memoráveis crônicas, dando à cidade em que nasceu o merecido prestígio, não
precisa se preocupar com a inveja de ninguém. Viva Araraquara!
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