AS CANÇÕES, DE EDUARDO COUTINHO

Costumo medir a qualidade de um filme pela atenção que ele me desperta. Para mim, filme bom é aquele que faz a gente esquecer tudo - a pipoca, o braço de quem senta ao lado, a hora, o próximo compromisso, tudo, absolutamente tudo. A gente só percebe alguma coisa quando o filme chega ao fim e as pessoas começam a se levantar.
Foi o que aconteceu comigo nesta tarde de domingo. Fui ao cinema e esqueci de tudo durante mais de uma hora, ao assistir As Canções, de Eduardo Coutinho. Curiosamente, não há nada de excepcional na produção de Moreira Salles. Ao contrário. O cenário é único: uma poltrona, um palco e uma cortina por onde entram e saem os personagens, gente simples do Rio de Janeiro e de São Paulo, num desfile de depoimentos sobre a música que mais lhe chamou a atenção, deixou saudades ou marcou a vida de cada um.
Não sem razão, as músicas lembradas são as mais conhecidas do grande público, pela simples razão de que simulam ou representam situações comuns vivenciadas pela população em geral. Nem li as críticas e os comentários publicados para não me deixar influenciar por nada nem por ninguém. Daí o suspense que me envolveu durante toda exibição.
O mais importante é a incrível capacidade de Eduardo Coutinho de captar as coisas simples da vida e descobrir a genialidade nos fatos mais comuns. Como no filme, vieram-me a lembrança as canções que minha mãe cantava enquanto fazia vestidos e calças para os filhos, pedalando sua indefectível máquina de costura Singer. Um dos depoentes chorou ao cantar Perfídia, que lembrava a mãe dele - costureira, naturalmente - cortando moldes.
O filme vale pela estreita correlação entre a vida real e os sonhos. Para os mais jovens, que hoje desfrutam da comunicação instantânea e não sofrem de amor como antigamente, o filme será uma bobagem. Os mais velhos conhecem Francisco Otaviano (1825-1889), que dizia no poema “Ilusões da Vida: “... quem passou pela vida e não sofreu,/ foi espectro de homem, não foi homem/só passou pela vida, não viveu” .
Mas ninguém espere um desfile de lágrimas. Ao contrário, os depoimentos provocam boas risadas pela maneira descontraída dos depoimentos. O chamado espírito carioca está presente, permitindo uma convivência bem humorada da narrativa dos sofrimentos de cada um. Enfim, um filme imperdível, principalmente pelos idosos e os de meia-idade.
Eduardo Coutinho reitera sua enorme habilidade na captação das intimidades do ser humano, mostrando mais uma vez a razão dos merecidos prêmios já conquistados.

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