É POSSÍVEL SER SEU PRÓPRIO MÉDICO?

Sempre que vou ao médico me surpreendo com seu otimismo. Com a maior naturalidade, ele marca a próxima consulta para o ano seguinte, sem perguntar se o paciente está de acordo. Ao questionar, não faz nenhum comentário confortável. Diz apenas que é norma do hospital. O software já está programado para agendar exames e consultas de acordo com os prazos estabelecidos. Tudo de acordo com experiências anteriores.

E se eu tiver um treco antes disso? É só procurar a emergência.

Sempre que vou ao médico me surpreendo com sua autoridade. Com a maior desenvoltura ele examina o paciente e toma suas decisões. É uma característica da maioria dos profissionais da medicina. Não estou questionando, mas apenas constatando. No caso dos médicos do serviço público essa característica parece respaldada no próprio sistema. Já vi muitos médicos ouvirem a queixa e determinarem: tire um raio-x e volte aqui. O diagnóstico só virá após o exame radiológico.

Poderia ser diferente. Poderia haver uma longa conversação, em que todos os ângulos fossem levantados, mas não há tempo.

É impossível quantificar erros e acertos nesses diagnósticos apressados. Felizmente os acertos são em maioria e os erros, quando evidentes, aparecem em reportagens sensacionalistas.

Suponho que uma das maneiras de resolver essas dúvidas é cada um tornar-se seu próprio médico. No momento em que escrevo, por exemplo, não sinto nenhuma dor, nem fome, nem sede, nada que impeça de conduzir meu raciocínio a bel-prazer. Significa que meu organismo está em harmonia. Em sã consciência, porém, não sei se algum tipo de entupimento está ao ponto de desencadear uma obstrução circulatória. Sabe-se que a dor é a melhor indicação de que alguma coisa está errada, mas há agravamentos que não suscitam nenhum sinal, avançando em silêncio como um cavalo de Tróia. Nesse caso, sendo você seu próprio médico, não saberá o que está acontecendo. Já o seu médico, estudando seu histórico através do prontuário, poderá detectar certas doenças, mesmo sem sintomas aparentes.

Uma corrente relativamente forte sugere que a melhor maneira de evitar dissabores, em termos de saúde, é não se preocupar. Quando aparece pequena mancha na face de uma pré-adolescente não é preciso ficar olhando muito, o que funciona como um agouro. Na maioria das vezes, a mancha desaparece como apareceu. Difícil é diferenciar doença de mau-olhado.

Muita gente tem a sorte de chegar aos 50 ou até 60 anos sem nenhum tipo de doença. No interior, alguns se orgulham de nunca ter ido ao médico. São casos raros, que não justificam uma atitude radical contra esses profissionais.

A pergunta proposta inicialmente não conduz a resposta objetiva. Você pode ser seu próprio médico até o momento em que revela o que o perturba. A partir daí, deve confiar sua vida a outrem, mesmo porque não há outra saída.

O professor Wilson Jacob Filho, titular de Geriatria da FMUSP, crê mais no conceito de “bom ouvinte de si mesmo" do que no "médico de si mesmo". O primeiro, segundo ele, é aquele que sabe de tudo para subsidiar e tomar a melhor decisão. O segundo toma decisões sem conhecer o todo, sem ter aptidão e, em geral, sob forte estado emocional. A chance de erro aumenta muito, diz ele. Ambos correm os riscos decorrentes da automedicação.

Como meu próprio médico decidi que não quero morrer, mas não tenho como evitar que isso aconteça. Chegado o momento, adeus!

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