PACIÊNCIA, DIZIA MEU PAI
Suponho
que herdei de meu pai a paciência que caracteriza meu comportamento. Vejo
novelas na televisão, ouço rádio, dirijo em São Paulo e frequento centros
comerciais de grande porte para ir ao cinema e comer pipoca. Como se não
bastasse, tenho assinatura do único jornal diário ainda em circulação. Se
duvidar, faço palavras cruzadas.
Digo
isso porque meu pai tocava violino no coro da igreja e um dia casou com uma das
coristas, então com 16 anos. Fiel até a medula, alimentou os dez filhos pacientemente
até se casarem ou se formarem em alguma coisa. Eu me casei e depois de uns sete
anos, com a paciência devidamente instalada, a mulher pediu separação. Se
dependesse de mim, até hoje estaria trocando fraudas.
Não
foi por outra razão que andei por vários empregos. Estranhamente, quando sentia
qualquer antipatia, não hesitava em pedir demissão, ir em frente. Essa
estranheza conflita com o comportamento admitido até então. Não hesitei em
virar poeta em Santiago de Cuba, escrevendo “aqui quiero quedar-me”, quando me
avisaram que deveria voltar para Havana e de lá para o Rio de Janeiro. A viagem
– paciência – era só pra conhecer.
Ainda
ontem tive a pachorra de assistir a volta do Faustão à TV Bandeirantes, mais
por causa das 30 bailarinas. Não precisava tantas, uma só bastava, se pudesse
dar conta. Dizem que o programa chegou a segundo lugar em audiência, no mesmo horário
do Jornal Nacional.
Tenho
de suportar as agressões à Ciência, contestadas diariamente pelo Jornal da
Cultura. Tenho de suportar o desfile de sequestros e feminicídios.
Está
na hora de visitar o túmulo de meu pai, José Francisco Tiné, no cemitério de
Santo Amaro, em Recife. A paciência que ele me deu parece chegar ao fim.
SP
18/01/2022
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