GASTANDO PNEU E MEXENDO NO TECLADO

 


Acostumado a sair desde criança, não consigo permanecer em casa, mesmo tendo dificuldades para andar. Vou à padaria, ao supermercado, à loteria ou ao boteco mais próximo, pois minha janela não oferece nada além do prédio contíguo ou algum vizinho levando cachorro para passear. Quando criança, meus irmãos diziam que eu tinha faniquito - inquietação típica de quem fala pouco e procura fazer alguma coisa, como se as pernas substituíssem as palavras. Aos dois ou três anos saía de casa sem destino, até alguém me pegar pelo braço e sair perguntando de quem é esse menino. Felizmente a cidade era tão pequena que todo mundo conhecia: é o filho de dona Nita! E me levavam de volta. Pudera! Chã Grande tinha uns 2.000 habitantes.

Hoje, depois de muitos anos de trabalho, percorro as ruas de São Paulo, com cerca de 12 milhões de habitantes, e repito a façanha diariamente, mas de carro. Vou a qualquer bairro, de São Miguel Paulista à Vila Sônia, do Pico do Jaraguá à represa de Guarapiranga, com inveja de quem sai de helicóptero a cada cinco minutos e sobrevoa a cidade indomável, como fez Geraldo Nunes durante anos, a serviço da rádio Eldorado, e como faz diariamente o comandante Hamilton, a serviço da TV Record.

Ao renovar a CNH num escritório credenciado pelo Detran fui questionado insistentemente pelo examinador, mostrando letrinhas quase invisíveis e várias cores. Sem conseguir derrubar minha pretensão de dirigir, o médico aprovou a renovação, aconselhando-me a chamar um neto quando quiser viajar. Ora, se gosto de dirigir e de viajar não vou me furtar de fazê-lo: vou aonde quiser.  Ontem visitei um amigo em Itu. Amanhã irei à Unicamp. E em breve irei à Serra do Rio do Rastro, Santa Catarina, basta diminuir o frio insuportável por aquelas bandas.

Supero com facilidade os dois principais obstáculos para a empreitada. O dinheiro da gasolina sai da ausência de luxo em modesta aposentadoria e a paciência com motoristas agressivos vem da suposta sabedoria de quase oferecer a outra face.

O menino de Chã Grande continua batendo perna, ou melhor, gastando pneu, aos oitenta e quatro. E mexendo no teclado. Sei que não chegarei a lugar nenhum, tampouco revolucionarei a Ciência, como o físico Stephan Hawking, e sequer a crônica, como Rubem Braga, mas pelo menos ocupo o tempo que me resta com proveito.

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NOVAS EMOÇÕES

QUESTÕES DE ORIGEM