A VIDA É UMA CANÇÃO
A
morte de Erasmo Carlos nos leva a ler sobre ele e suas músicas, disponíveis nos
mais modernos e diferentes meios de comunicação. Nada escapa ao “streamer” -
esse novo profissional que coloca à nossa disposição instantaneamente tudo o
que acontece no mundo moderno. Até quem não é familiarizado com o assunto
mergulha fundo em quaisquer questões, num exercício facilitado pela necessidade
de isolamento causada pelas epidemias.
Três
lembranças me ocorrem quando morrem famosos como Erasmo Carlos: década de 60,
avenida São João, as lojas de disco tocando a todo volume “Quero que vá tudo
pro inferno”. Recém-chegado de
Pernambuco, onde era procurado por subversão, não atinava para o sentido
daquilo, ou melhor, disfarçava. Sobrevivia como repórter de revistas técnicas e
fugia propositadamente de passado supostamente perigoso.
Talvez
por essa razão, achava que a canção de Erasmo e Roberto não passava de
passatempo, vulgarizado pelas lojas de disco.
Não
imaginava que um ano depois estaria numa revista de televisão (Intervalo),
seguindo literalmente os passos de Erasmo e Roberto. Não apenas frequentava os
programas Jovem Guarda, no auditório da TV Record Consolação como frequentava a
casa do “rei” no Morumbi.
A
segunda lembrança que me ocorre é minha mãe cantando Orlando Silva, Sílvio
Caldas ou Carlos Galhardo, entre outros, enquanto lavava pratos ou costurava em
sua máquina Singer. A música, então, tinha sabor de mel, ou melhor, nenhuma
missão vanguardista, histórica ou revolucionária.
Outra
recordação, a terceira, era meu pai ao violino, como integrante do coro da
igreja, do qual minha mãe era cantora. Não havia nascido ainda, mas eles mesmos
me contaram, quando eu me iniciava ao violão. Ainda jovem, resgatava as velhas
canções em serenatas quando morava no Interior de Pernambuco. Roberto ainda
estava em Cachoeiro de Itapemirim e Erasmo em Ipanema.
O
que surpreendeu nessa maratona de reportagens foi a informação de que o termo
Jovem Guarda teria sido extraído de discurso, livro ou tese de Lenine. Seria
referência à geração que abraçaria a causa comunista. Pode-se admitir que a
Tropicália, com os baianos, tinha algum propósito político, mas a Jovem Guarda?
Salvo a hipótese de seus propósitos autoritários. Afinal, quando Paulo César de
Araújo lançou o livro “Roberto Carlos em detalhes”, pela editora Planeta, em
2006, o “rei” proibiu a edição alegando “invasão de privacidade”. Até hoje o
livro se encontra recolhido num depósito. Em 2014 o mesmo autor lançou “O Réu e
o Rei” pela Companhia das Letras, em que relata tudo sobre o incidente em 521
páginas.
Longo
e farto documentário sobre a Jovem Guarda publicado no dia da morte de Erasmo
Carlos pelo Canal Brasil revela dezenas de depoimentos de cantores e produtores
da época, todos negando propósitos políticos à Jovem Guarda, que serviu para
movimentar muito dinheiro. A dupla Roberto e Erasmo Carlos não estimulou a
derrubada do Muro de Berlim mas alimentou muitos sonhos, despertou muitas
emoções e patrocinou muitos encontros.
SP
27/11/2022
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