O ETERNO CANDIDATO
Vizinho parede-meia há 52 anos pede que eu escreva um livro sobre ele. Aposentado, filhos casados, vários netos, vida financeira garantida pelo INSS, dele e da esposa, já plantou uma árvore e falta apenas escrever um livro - alega.
Tem um desejo
incontrolável de servir ao próximo. Frequenta terreiro espírita aos domingos
para fazer almoço comunitário e visita familiares num raio de mil quilômetros
para levar presentes, frango assado com farofa e até jornal velho para as
necessidades do cachorro.
Sua vontade de
servir ao próximo é tamanha que já foi candidato a vereador e a deputado
federal umas dez vezes, por diferentes partidos. Raramente conseguiu mil votos.
Gosta de distribuir “santinhos” e sente-se gratificado quando alguém lembra seu
espírito público, seu amor ao próximo, sua vontade de servir.
Representante
comercial, percorria todo o Estado de São Paulo, visitava potenciais compradores
em quase todos os 645 municípios, aos quais prometia lucros, jurava fidelidade
e amizade. Abordava estranhos com tal intimidade que no minuto seguinte ninguém
suspeitava de que ele era um total desconhecido até então.
Com tamanho
coração, sempre levava prejuízo ao candidatar-se, mesmo recebendo ajuda de
custo dos partidos ou uma Kombi para distribuir panfletos.
É do tipo bonachão, que abre os braços ao cumprimentar qualquer pessoa, amigo ou
desconhecido, distribuindo elogios, oferecendo uma bala ou fazendo um elogio. Quem
leva uma encomenda, faz uma entrega, lembra algo que ele esqueceu, enfim, faz
qualquer favor, não precisa cobrar recompensa. Ele se antecipa, gentil e grato.
Confesso que mesmo
diante de tão nobres referências não consegui fazer sua biografia.
Ao explicar essa
dificuldade, ele resolveu contar detalhes de sua vida antes de se transferir
para São Paulo. Desfilou aventuras da juventude no Rio de Janeiro, convivendo com
tipos populares da velha Lapa carioca, como o lendário Madame Satã, por exemplo.
Embora nada edificante, só esse detalhe renderia boas histórias.
A verdade é que
nem invocando minha suposta experiência consegui produzir tal livro. Para quem
não sabe escrevi pelo menos duas biografias, a de Taiguara e a de Romero
Figueiredo, ambas disponíveis na internet. No caso de Taiguara consultei
arquivos, entrevistei vários artistas, inclusive familiares. Esbarrei na
autorização para publicar algumas fotos. Parentes próximos alertaram sobre a
possibilidade de embargo. De tanto ser advertido, desisti.
No caso de
Romero foi mais fácil. Trata-se de um pintor olindense que foi amigo na
juventude em Caruaru, cuja carreira acompanhei na Manchete, na Abril e na Curt,
como profissional de fotografia. Ele não permitiu a publicação, alegando ser um
ilustre desconhecido.
Privado da
biografia do eterno candidato, o leitor poderá dedicar algum tempo à leitura das
histórias do cantor e do pintor, cujo eventual enxugamento, como acusaram os
poucos amigos que as leram, se deve a exageros do copidesque que fui durante
vários anos.
Com a
desistência, corro o risco, enfim, de me tornar um eterno candidato a biógrafo.
Júlio Maria, Ruy Castro, José Nêumanne Pinto, José Telles, Zuza Homem de Melo,
Lira Neto podem ficar tranquilos. Não terão concorrentes, por
enquanto.
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