RELIGIOSIDADE À PROVA
Quando menino, admirava o
desfile de automóveis de luxo pelo centro da cidade, dirigidos por rapazes que
iam trabalhar em São Paulo e, ao voltar, exibiam com pompa e orgulho suas
conquistas. Na verdade, eram vendedores bem-sucedidos, que compravam
mercadorias, geralmente blue jeans,
para vender no Nordeste com bastante lucro. Antes de retornarem à capital
paulista para novas compras, os rapazes abusavam das meninas sonhadoras e
deixavam atônicos os ginasianos, que buscavam formação antes de tentar uma
carreira.
Eu era ginasiano. Sonhava
que algum dia poderia ser como meu professor de Francês - um médico; de Inglês
- um advogado; de Português – um padre, cada um com sua posição na sociedade. E
que posição! Eram os mais importantes, invejados por todos. Na falta de
professores, eles eram recrutados para ensinar aos alunos da primeira turma do
Ginásio Municipal, sem didática, sem método, só com boa vontade.
Um dos ídolos de minha
infância era Frei Damião. Nas grandes datas religiosas ele fazia pregações
conclamando os fiés a amar a Deus e seguir os caminhos da retidão. Não sei
exatamente porque ele tinha obsessão pelos casais que não se casavam de fato,
chamados de amancebados ou amasiados. Sempre que retornava à cidade, promovia
casamentos coletivos, realizando uma única cerimônia para unir dezenas de
casais.
Frei Damião (1898-1997)
nasceu na Itália e pertencia à ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Ao
contrário do Padim Ciço, que não saía de Juazeiro (CE), Frei Damião
excursionava pelo sertão de Pernambuco e voltava a Gravatá, Chã Grande,
Mandacaru e Riacho do Mel, onde fazia procissões, rezava missas e ouvia devotos
em confessionários.
Os fiés o tratavam com
muito carinho e as ruas se engalanavam durante suas peregrinações. As crianças
acompanhavam tudo com devoção. Nunca perdia uma cerimônia, pois minha mãe
cantava no côro da igreja, meu pai tocava violino e eu era acólito. Tanta
religiosidade tem uma explicação: antes de casar, meu pai estudou alguns anos
no seminário franciscano de Pesqueira. Em vez de fazer votos de pobreza,
exigência sine qua non para ordenar-se
sacerdote, criou dez filhos.
Como não fiz os tais
votos, consegui ir à missa em Aparecida e até no Vaticano (fotos). Hoje, minha
religiosidade está à prova.
Quanto ao desfile de
conterrâneos que se exibiam em carrões pelas ruas da cidade, ostentando suposta
riqueza, confesso que em duas ou três oportunidades tentei imitá-los com um Fusca.
Ninguém notou sequer que a placa era de São Paulo.
Comentários
Postar um comentário