NEM CORONO, NEM BOLSOVÍRUS



Poderia dizer que tô nem aí pro coronovírus, tampouco pro desastre econômico que se avizinha. Se o primeiro me pegasse, pouparia minha família de ficar meses ou anos pagando cuidadores para trocar fraudas e dar sopinha na boca, como acontece em toda família que honra sua genealogia. Quanto à segunda hipótese, desde jovem sempre me preocupava com o social, incluindo-me entre os que participavam de greves ou outras manifestações estudantis.
Ginasiano, deixava o futebol e banhos de rio típicos de cidadezinha do Interior para assistir palestras na biblioteca municipal sobre os mais variados assuntos, desde Anatomia (alguns se preparavam para estudar Medicina) até tipo de vida na União Soviética (alguns tinham curiosidade sobre o que era Socialismo).
A dificuldade com que encarava as matérias do ginásio, particularmente a Matemática, somada à luta pela sobrevivência, dificultava o ingresso num curso superior. Restava-me participar discretamente da luta pelas conquistas sociais. Não era necessário ter carteirinha, pois havia buscas constantes de provas materiais que justificassem prisões. Cada um lutaria à sua moda.
Com pretensões intelectuais, eu recrutava interessados em palestras, que a gente chamava de conferência. Mais ou menos assim nasceu o gosto e a curiosidade por juntar-me em grupos. Associações, Sociedades, Sindicatos, Cooperativas – valia tudo na busca de soluções colegiadas, inclusive a edição de livro coletivo com textos produzidos a partir das aulas de redação do professor Gabriel Perissé (eu pretendia ser escritor). Entrei na Sociedade Amigos da União Soviética, que mostrava filmes e fazia apresentações sobre a vida naqueles países.
A curiosidade levou-me a conhecer in loco a vida em Cuba, que se iniciava nesse tipo de regime político. Convidado a contar sobre a viagem não hesitava em elogiá-la, mesmo tendo visto apenas o que propositadamente me mostraram, ou seja, só as benesses de um sistema de vida razoável, baseado em suposta divisão equitativa de bens.
Em 1964 paguei alto preço por tudo isso, quando tentaram me enquadrar oficialmente como perigoso à sociedade. Depois de 30 dias me dispensaram da prisão insalubre, acusando de sonhador.
Ao ver e ouvir toda essa parafernália, com duelo entre um maluco e um legalista, inclino-me a questionar porque troquei os banhos de rio pelas “conferências” da Associação Cultural de Caruaru. Quem sabe teria sido melhor insistir nas peladas...

SP 25/04/2020

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