JUIZ DE GARANTIAS PERDOA PECADOS?
Quem disse que eventos como os de fim de ano servem
apenas para intermináveis bebedeiras? Servem também para inusitadas reflexões,
arrependimentos, para soltar a franga e até para lembrar os mortos.
Não me perguntem, por exemplo, quantas vezes fui a um
cemitério. Não sei. Com certeza, além do enterro dos meus pais, fui ao de dois
irmãos e ao de duas irmãs. Em nenhum deles chorei copiosamente, não me
perguntem porquê, mas não fui tão duro assim quando a mãe de meus dois filhos pediu
desquite, por razões que ela mesma criou.
Talvez minha suposta frieza se origine no fato de ter
saído de casa em busca de independência. Era preciso ser duro comigo mesmo e
forte como meu pai, que nunca deixou de cumprir suas obrigações, enfrentando
com bravura eventuais dificuldades. Quanto mais acuado, mais se mostrava
disposto. Queria ser como ele: não chorar, engolir seco, confiar em Deus.
Quando jovem, a melhor diversão era a calçada, onde
colegas de escola, vizinhas e amigas desfilavam como se estivessem numa
passarela, esforçando-se para impressionar com sutis amostragens.
Vem daí, talvez, as recordações pervertidas, quiçá
impróprias, apesar dos ensinamentos religiosos. Lembro que, quando menino, fui
acólito, beijei a mão de Frei Damião e ouvi alguns seus longos sermões condenando
os amancebados, na matriz de São José, em Chã Grande, e na de Sant’Ana, em
Gravatá. Na década de 70 estava no Aeroporto dos Guararapes, trabalhando como
repórter, quando vi desembarcar D. Hélder Câmara, vindo do Rio de Janeiro para
assumir o cargo de Arcebispo de Olinda e Recife. Fui um dos primeiros a
cumprimentá-lo, depois que ele mesmo me explicou o motivo de sua vinda ao
Recife: assumir o tal cargo. Assumiu, e foi o que todos sabem, o melhor e mais
destemido.
Não sei se esses dois perdoariam meus pecados ou se teria
de recorrer a meu irmão Vital, que estudou no Seminário de Olinda antes de
apaixonar-se por uma das beatas que o assediava.
Posso garantir que pelo andar da carruagem já paguei
com juros e correção monetária todas as minhas diabruras. Resta-me o juiz de
garantias, seja lá o que for isso.
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