FILOSOFANDO, SEM SER FILÓSOFO
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Até aonde
alcança a memória, minha noção de Justiça advém dos sermões do cônego Elias
Torres, saudoso vigário de minha terra natal. Ele pregava a palavra de Deus em
tronitruante discurso, ao qual não faltavam claras ameaças: quem saísse da
linha, arderia no fogo do inferno.
Pode ser
que advenha daí certo medo de agredir quem quer que seja.
Em certas
situações prefiro o silêncio e o respeito para evitar confrontos. Foi assim
quando aderi ao socialismo já implantado na URSS, que pregava a não violência
nos trabalhos de arregimentação de simpatizantes. Foi assim quando interrogado
pela polícia política de Pernambuco em 1964. Tinha notícia do destino reservado
aos que se vangloriavam de sua sapiência política: os porões onde se torturava
sem piedade.
Talvez uma
coisa não tenha relação com a outra. O fogo do inferno a que se referia o
cônego em seus sermões não tem necessariamente nenhuma relação com os
diferentes tipos de sofrimento causados pela ditadura. De qualquer modo, eu
temia o fogo do inferno, as palmatórias, os tapas na cara e quaisquer tipos de
pancadaria que levasse ao sofrimento. Respondia tudo sem agressividade.
Talvez por
isso não tive nenhum problema durante os 21 anos em que me dediquei à
intermediação dos contatos entre médicos e jornalistas, como assessor de
imprensa de um grande hospital. Era tão educado no trato com as pessoas que um
amigo me confidenciou a suspeita de que eu fosse homossexual. Seria uma desonra
para quem viveu infância e juventude num Interior nordestino tremendamente
preconceituoso, onde se acreditava que até comer salada de verduras era coisa
de bicha.
Não, não
chega a tanto. Mesmo assim, quando resolvi colocar num livro minha experiência
não hesitei em colocar um título que resumiria todo o comportamento que marcou
minha trajetória no hospital-escola: “Pois não, doutor!”, frase que resume com
precisão a humildade com que me incumbi de minhas tarefas pacificadoras. Aí,
talvez, o medo do fogo do inferno atingia o ápice de sua simbologia. O médico
poderia ser meu algoz.
Isso não
quer dizer necessariamente que eu seja covarde, embora tenha de reconhecer que
os sermões que ouvi na igreja de Santana marcaram minha vida. O fogo que me
ameaça desde a infância é o breque que impede minha carreira. Melhor assim. Um
dia chego lá. Aonde, não sei.
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