SONHO E REALIDADE



Antes de querer ser poeta, quis ser músico, o que daria na mesma. O músico não é  mais que um poeta em ebulição.
Quis também ser padre. As aulas mistas de educação física do ginásio, que deixavam entrever algo que supunha o paraíso, não deixaram. Depois, soube que aquelas pernas exuberantes poderiam ser também a porta  do inferno, dependendo de sua portadora.
Sonhei um dia como Exupéry: avistei apenas o telhado de minha casa, de onde cai ao chão vendo estrelas. Sonhei muitas vezes voando braços abertos sobre a Guanabara, como na canção.
Queria ser um grande homem - um Mandela, um Guevara, um Fidel, mas o máximo que consegui foi trinta dias no buque da Rua da Aurora,  em 1964, e desde então quase perdi a voz, tremendo de medo que me arrancassem os culhões, como acontecia com os mais ousados. Passei então a falar tão baixinho e delicado que um psiquiatra amigo -  Fred Rocha, ainda hoje comunista de carteirinha – lançou suspeita sobre meu machismo nordestino.
- Oxente, lasquei indignado.
Fui obrigado a lembrar ao amigo que tenho dois filhos e seis netos, o que não invalida completamente a dúvida, e os tempos de frequentador de puteiros do Recife Antigo, espécie de vestibular da vida.
Ninguém pode dizer que não lutei. Acumulei quatro empregos simultâneos durante algum tempo, tamanho o medo de passar fome. Fui até livreiro, de porta em porta, como Eva Hertz, cujo filho, Pedro, conseguiu erguer um império chamado Livraria Cultura, hoje em dificuldades.
Infelizmente, não consegui nenhum prêmio de melhor jornalista, como Eliane Brum; de melhor romancista, como Ignácio de Loyola Brandão e Milton Hatum. Melhor em nada, talvez em paciência. Sou capaz de olhar as nuvens e as estrelas durante 12 horas numa janela de avião. Nem solavanco me desconcentra, só as comissárias.  
Eis a diferença entre sonho e realidade.

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