JÁ NÃO SE FAZ PROTESTO COMO ANTIGAMENTE


Ao assistir pela televisão as cenas de fogos de artifício num bairro de Guarulhos, os saques em Abreu e Lima e Recife, bem como a destruição de uma loja de automóveis na Capital paulista, numa sequência digna do melhor filme de terror, me emociono e quase ponho em prática discreta hipocondria, recorrendo a calmantes e assemelhados.
Mas não vai aqui nenhum editorial. Embora tenha capacidade de fazê-lo enquanto redator, não sou sociólogo, economista, jurista, tampouco militante de nenhuma causa em especial.
Em primeiro lugar, impressiona a enorme competência dos repórteres cinematográficos e pilotos de helicóptero em ação. Não por acaso as cenas correm o mundo, numa cabal demonstração da capacidade e da coragem de nossos fotógrafos.
Tendo sido repórter e enfrentado diversos tipos de dificuldades, jamais presenciei ou acompanhei tamanhas barbáries. O grande risco a que me submeti, talvez o maior deles, foi fazer perguntas a oficiais de alta patente na época da ditadura, sabendo de antemão que não teria respostas e poderia ser preso e torturado. Salvou-me a desculpa esfarrapada de que era jornalista, daí querer saber as razões dos militares para o golpe. Não era ingenuidade, era uma suposta coragem.
O que veio à lembrança na sequência dos acontecimentos foi a diferença entre o que se fazia quando a sede de justiça batia à nossa porta na juventude e o que se faz agora. No meu caso, por exemplo, as mais graves acusações em 1964 era fazer parte da Sociedade Cultural Brasil-União Soviética e ter ido a Cuba a convite de Francisco Julião. Outra, tão grave quanto: trabalhar na Última Hora – Nordeste, considerado um jornal subversivo. Em eventuais greves estudantis, o máximo de que se dispunha era spray. Houve o caso de um jovem que colocou algumas pedras na linha do trem em Caruaru, mas a polícia agiu rápido, antes da chegada dos vagões da Great Western. Manuel Messias, o suposto terrorista, respondeu a inquéritos e foi obrigado a anos de exílio. Até hoje paga as consequências. Casos como esses são raros no passado, quando a luta era essencialmente romântica, “sem perder a ternura jamais”.
O episódio de Guarulhos não tem nada de ideológico. Lembra os festejos juninos de uma cidade da Bahia, quando moradores se divertem perigosamente soltando rojões no meio da rua. A polícia ficou sem ação. Felizmente não houve vítimas fatais.
Quanto ao Recife, resta-nos lamentar que a tradição de cidade heróica, cidade lendária, Veneza Brasileira e demais títulos honoríficos com que tem sido brindada ao longo dos anos por poetas como Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto e compositores como Capiba – entre outros – venha sendo substituída por atos hostis e insanos, embora idealistas.

Antes que esses comentários se transformem em editorial permitam-me voltar à discreta hipocondria e tomar antialucinógenos, com licença do humorista José Simão. Fica a dúvida sobre a eficácia dos novos métodos “revolucionários” e se em consequência deles virão dias melhores. 

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